Falta de acessibilidade afasta estudantes surdos da escola

Para chegar à faculdade de enfermagem, a estudante Gabriela Carolina, de 18 anos, que é deficiente auditiva, precisou contar com a boa vontade e a ajuda dos colegas em toda a vida escolar. Ela sempre estudou em escolas regulares e, em nenhuma delas, aprendeu a Língua Brasileira de Sinais (Libras), nem teve o acompanhamento de um tradutor intérprete, como exige a lei. O despreparo das instituições de ensino para incluir alunos surdos ainda é realidade no país e veio à tona depois que os desafios para a formação educacional dessas pessoas foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no primeiro dia de provas, na semana passada.

Além de desrespeitar a lei, que determina a disponibilização de instrutor de Libras, tradutor intérprete, ensino do português como segunda língua e um professor com conhecimento sobre a “singularidade linguística”, esse despreparo afasta os deficientes da escola. A cada ano, cai o número de alunos surdos matriculados em turmas comuns no país. Em 2012, eram 27.540, ante 21.987 no ano passado, queda de 20%. “As escolas especiais estão fechando, e eles não vão para escolas inclusivas, porque elas não são preparadas”, lamenta a professora do curso de comunicação social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Regiane Lucas.

Mínimo. No caso de Gabriela Carolina, depois de passar uma vida perdida na escola, agora ela tem o mínimo de apoio na faculdade. “Na rede pública ou privada, as escolas ignoravam minha presença ou faziam de conta que eu não era deficiente. Minha maior dificuldade era me comunicar com os professores, muitas vezes eu me via perdida entre o que eles falavam e o que era para fazer”, conta Gabriela.

Atualmente ela tem acompanhamento de um intérprete oral. “É muito importante isso, mas precisamos de mais, como videoaulas legendadas, que facilitem a aprendizagem”, disse. A Escola Estadual Francisco Sales, na capital, é a única específica para o atendimento de surdos em Minas. Apesar de escolas regulares inclusivas serem o “principal foco” da rede estadual, especialistas acreditam que essa alternativa nem sempre é a melhor para os alunos.

“A inclusão não passa só pela presença do intérprete, tem a ver com a metodologia que o professor usa, a forma como ele corrige provas. Isso porque o aluno surdo elabora o pensamento em Libras e, quando passa para o papel, a escrita é diferente. O professor não assume a educação do aluno, acha que a responsabilidade é do intérprete, que só devia mediar”, afirmou a professora e coordenadora do curso de tecnologia em comunicação assistiva da PUC Minas, Paula Branco Morais.

Para Regiane Lucas, além de as aulas serem produzidas para alunos ouvintes nas escolas inclusivas, a língua de sinais, a primeira dos surdos, não é priorizada. “A maior parte dos alunos surdos são filhos de pais ouvintes e chegam na escola sem saber a Libras, necessária para que ele aprenda bem o português como segunda língua”.

Instituições bilíngues são a solução ideal

As escolas bilíngues, em que as aulas são ministradas na língua de sinais e onde todos – alunos, professores e funcionários, surdos ou ouvintes – conversam, dentro e fora da sala, em Libras, é o modelo ideal para a educação de alunos surdos, na opinião de especialistas. Em Minas, ainda não existem instituições do tipo, que também focam na fluência do português escrito.

“O melhor seria que as escolas especiais fossem progressivamente sendo transformadas em bilíngues, como no Ceará e em São Paulo”, disse a professora de comunicação social da UFMG Regiane Lucas. O que tem acontecido, segundo ela, é o fechamento das escolas especiais.

Para a Federação Nacional de Surdos em Minas, a escola bilíngue é a melhor alternativa para alunos surdos, que sofrem nas escolas regulares com livros e provas em português.

A diretora de Educação Especial do Estado, Ana Regina de Carvalho, disse, porém, que a extensão territorial de Minas é um empecilho para a escola bilíngue. “O que deve ser feito é a qualificação dos professores na língua de sinais”.

Estado tem 1.300 vagas de tradutor

Para os mais de 1.500 alunos surdos na rede estadual de ensino, há 1.300 vagas de tradutores intérpretes. Não há garantia de que todas estejam ocupadas.

“Pode ter aluno que não tenha por insuficiência de profissionais qualificados”, disse a diretora de Educação Especial do Estado, Ana Regina de Carvalho. Segundo ela, as vagas são suficientes, pois alunos da mesma faixa etária são agrupados nas salas de aula.

Saiba mais

Exemplo. A Escola Estadual Maurício Murgel, em BH, tem 43 alunos surdos. Eles dividem sala com estudantes ouvintes, acompanhados de um tradutor intérprete de Libras. A instituição também oferece um curso da língua de sinais para toda a comunidade escolar. “Há muito interesse por parte de alunos ouvintes e de alguns professores em aprender Libras, o que favorece a inclusão”, explicou a diretora da escola, Sônia Amaral.

AEE. O Estado oferece a alunos surdos Atendimento Educacional Especializado (AEE) para desenvolvimento de atividades fora do currículo, mas menos da metade das escolas da rede conta com o serviço.

 Fonte: O Tempo

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