“Um Fantasma no Trem” – Parte 6

 

(CONTINUAÇÃO) …ocorrências indesejáveis… Se acontecerem juntas num trem que enfrenta situação não rotineira poderá causar ocorrências além de indesejáveis.

 

Um trem, na “descida de serra”, trafegando devidamente em situação rotineira deixa passar, vá lá, algum freio dinâmico teimoso e/ou alguma “torneira a meio pau”…  Se acrescentar a isso algum “deslize operacional” já pode começar a complicar.

 

Quanto a um trem, em “descida de serra”, passando por situação não rotineira, é bom que nada de “deslizes operacionais”, nem de “interferência técnica escondida” deem as caras.

 

Na situação rotineira, toda fase na condução do trem é feita mecanicamente e qualquer problema é menos problema… Numa operação não rotineira, se surgem problemas, tem-se que procurar um “novo norte” para toda a situação.

 

Voltando a Donadon,  acionou a buzina, fazendo soar um apito longo, enquanto, pelo rádio, falava alguma coisa inaudível – inaudível a Ananias (esse, por sua vez, perdera o sono e estava ansioso; posicionou-se sentado e inclinado à frente, na ponta do banco “emprestado”). Quando apitou, o “canceleiro”, à frente, tratou de baixar logo as duas “cancelas” da “PN de Lauriano”. As “cancelas” eram, no entanto, peças curtas; insuficientes para abranger a largura da avenida. Então, o trem já a ocupava e motocicletas ainda passavam à frente dele… Eram ineficientes aquelas “cancelas”, portanto. Aquilo forçou Donadon a buzinar mais – na madrugada.

 

Se aquilo se dava ali, às “barbas de toda e qualquer chefia”, imagine-se nas outras PNs com cancela, linha afora – considerou Ananias.

 

Ora, Ananias se indignava por a ferrovia, sempre tão imponente, não cuidar melhor de seu “espaço”, de sua operação… Olhou para os lados de Donadon e percebeu que ele era a “cara da indignação” – deviam ter mais coisas em comum. Pois bem, o trem deixou para trás o pátio de Lauriano; seguia com moderada aceleração e velocidade compatível com o perímetro urbano. Oito quilômetros após, alcançou, sempre com aceleração e velocidade moderadas, o pátio da estação central. Entrou vagarosamente e fez com o agente local a “troca de bastão”; Fez a transposição e, aos poucos, foi deixando a cidade.

 

O trem não fizera muito barulho de motores entre Lauriano e estação central; os motores não precisaram ser muito acelerados, pois a linha se dava em terreno nivelado (ou plano). Também, após a estação central, a linha continuava com essas características. Enfim, trens cargueiros cortavam aquela grande metrópole sem muito estardalhaço de motores. Poder-se-ia dizer que, não fossem o inconveniente sino e as buzinadas necessárias, nas sempre deficientes “cancelas” das PNs, os trens transporiam a cidade em relativo “silêncio”.

 

Ananias, ansioso por o trem deixar logo a cidade e tomar velocidade, sabia que aquela ferrovia tinha metade de suas linhas em traçado antigo e sinuoso, porém eram sempre linhas fortes e bem cuidadas, que permitiam velocidades de até sessenta quilômetros por hora. E sabia que haviam sido construídas “variantes”, com perfil melhor ainda, na outra metade.

 

E Ananias lançava olhares indagadores em direção a Donadon. Com certeza, sem poder fazer perguntas, levaria tempo para conhecer sua curiosa história – que incluía certo título ao extinto FEC (o time ferroviário) e certa pendenga com o restaurante que estava com obras paradas em Lauriano. Olhava-o na pouca iluminação da cabine e via que sua magreza parecia ser magreza causada por “pensar muito”. Era moreno-claro e tinha altura pouco acima da média. Quanto aos cabelos, eram negros – negros como assim, os olhos – de corte curto e cuidadosamente penteados; o semblante era de traços finos, num rosto ligeiramente alongado… Era “moço”, mas certamente já ultrapassara os trinta.

 

O trem rodava já fora de perímetro urbano e, vez por outra, surgiam velhos prédios desativados que, um dia, foram úteis à ferrovia…  Quando estações , era possível ler seus nomes quando o facho do farol “favorecia”. Mais à frente, enfim, apareceu um primeiro pátio de cruzamento. Nele, um trem com vagões vazios aguardava.

 

O pátio era em “campo aberto”, ao pé de um morro. Via-se, de longe, o comboio estacionado – aguardando. Sua máquina líder estava com farol apagado, mas acesas estavam as “luzes de classificação” – um ponto vermelho de um lado da “testeira”, um ponto verde do outro – e também os dois “boxes”, com o número dela. Aquilo, aliado ao contorno pouco iluminado, formava uma imagem no mínimo “excepcional”… a Ananias. O que ele fazia era tentar adivinhar, abobadamente, o modelo da locomotiva… antes que se tornasse evidente.

 

Passaram pelas locomotivas e, mais à frente, na plataforma alta de uma estação pequena, um agente já esticava o braço para a troca de bastão (o bastão Staff de licenciamento) com o maquinista. Ananias, por sua vez, saiu do banco e estava em pé, próximo ao painel, de olho no velocímetro. Viu que a velocidade do trem estava alta para a troca de bastões e precisava ser reduzida (já conhecia aqueles procedimentos nas ferrovias das bandas de sua região); No entanto, Donadon acelerou os motores, elevando a rotação – consequentemente a potência. Ananias ficou sem entender por uns instantes. Entendeu quando viu que a velocidade já caia vertiginosamente (caiu de 28km/h para 23 km/h), ao mesmo tempo em que Donadon avançava mais um pouco com o acelerador, visando a aplicar mais potência.

 

A velocidade caia naturalmente porque o perfil de linha por aquele “espaço” em que o trem já se incluía aos poucos passava de “nível” (ou plano) para uma rampa ascendente, ou seja, o trem já pegava uma subida e perdia velocidade… No momento da troca de bastões, a velocidade se deu ideal e as locomotivas tinham moderada (e necessária) rotação nos motores – porém, pediam mais força, uma vez que pareciam estar sendo puxadas para trás.

 

E Donadon obedeceu ao pedido de força e avançou com acelerador mais um pouco e alcançou a posição 6 (seis) de rotação dos motores.  O trem saia do pátio, “ganhava o trecho” e se incluía cada vez mais num perfil em aclive, numa subida que se inclinaria mais e se estenderia por alguns quilômetros à frente… Nesse caso, o trem continuaria a perder  velocidade e, a certo ponto, teria que ser acelerado ao máximo.

 

Donadon tinha, enfim, linha livre pela frente e uma rampa que se inclinaria ainda mais – além do fato de o trem ir ocupando-a cada vez mais e sentindo, cada vez mais, sua influência. Tinha que continuar avançando com o acelerador em direção à rotação total dos motores e, então, leva o acelerador da posição 6 em que estava, para posição 7. As rodas das locomotivas recebem mais força de tração e os para-choques todos, mesmo não sendo o aclive ainda de todo influente, já passavam à condição de “esticados” e, assim, deixando o trem em condições de receber a potência máxima. Donadon, ciente disso, leva o acelerador à posição de rotação máxima – ao oitavo ponto (ou ponto 8). A velocidade sobe mais um pouco e atinge novamente a 28 km/h… Mas não será ali que alcançará a máxima permitida – de “50 km/h” para trens “carregados”. A rampa “pesa”, enfim, e a velocidade desce pra 25 km/h; As locomotivas seguem aceleradas ao máximo, produzindo força total e, ainda assim, a velocidade vai caindo (pois o trem se incluía cada vez mais na rampa íngreme) até descer para 20km/h, e assim se estabelece.

 

As locomotivas não podem trabalhar abaixo de uma “velocidade mínima de regime contínuo”. É que, em subidas, com velocidade baixa, são aceleradas ao máximo e o Grupo-Gerador passa a trabalhar em carga plena. A tendência será de aquecimentos e “patinagens de roda”. A “velocidade mínima de regime contínuo” visa a protegê-las. Tudo é pré-calculado para o trem ter uma velocidade razoável de subida – ali consideravam em torno de 20km/h.

 

O trem de Donadon se incluiu todo na subida longa. As locomotivas passaram a ser usadas em seu limite – os Grupos-Geradores atingiram o máximo de produção de corrente dentro da menor velocidade segura e possível para os motores elétricos de tração nos rodeiros motrizes… As rodas fazendo força descomunal sobre os trilhos; o peso da máquina impedindo que elas rodassem “em falso”. A montanha de minério sobre rodas tentando puxar tudo para trás. O maravilhoso barulho total do trem… lá no ermo, longe das cidades; longe da população – lamentava Ananias.

 

E, assim, o trem prosseguia. Algumas luzes internas de alerta piscavam nos painéis, campainhas e cigarras “rabiscavam”; tudo indicando momentâneas faltas de aderência ao trilho, de uma ou outra locomotiva… No início de esforço total, após muito tempo sem passar por ele, leva-se alguns instantes pra tudo se equalizar.

 

É onde que, acaso se encontrar graxa nos trilhos, por exemplo, fará “aplicar areia”, para restabelecer aderência… E não é que a locomotiva líder daquele trem, “boa” por demais, já fazia um quase imperceptível “vai e vêm”.  É que tudo estava se ajustando no início da rampa forte. Quanto a Donadon já acionava “responsavelmente” o areeiro, lançando um pouco da areia seca, contida nos reservatórios, diretamente lá no contato roda/trilho, visando a evitar um começo efetivo de deslizamento de rodas… e o trem prosseguia. Prosseguia bem.

 

Passados alguns quilômetros, o trem já deixava a rampa e tomava linha nivelada – as locomotivas iam trazendo os vagões, um a um, para a nova situação; A rotação máxima dos motores foi mantida e a velocidade foi se elevando. O trem atingirá a velocidade máxima autorizada (VMA); haverá espaço para isso. Antes, porém, que a atinja essa VMA, Donadon já recua o acelerador (…7…6) aos poucos… tirando,  na hora certa, a tensão sobre os engates; O trem, então, alcança, o limite de 50 km/h e, ao menos a parte da frente dele já roda mais “solta”. Donadon observa o velocímetro – não pode ir além de 50. Então (…5…4) reduz a rotação dos motores, e segue assim por algum tempo. A linha agora sai da condição de nivelada e passa a apresentar um leve declive; a velocidade chega a 52KM/H. Donadon (..3…2) recua mais o acelerador e, ato contínuo, as locomotivas tomam um fraco “chute na b****”.

 

Nada demais, é apenas a “acomodação” de mais 15 mil toneladas em movimento. O terreno se nivela de novo e a seguir virá, novamente, um começo de aclive; nova rampa de subida – momento de começar a exigir mais potência das locomotivas, então; de aplicar mais rotação aos motores. A velocidade tendia a passar do limite, mas já se podia acelerar aos poucos pra ir “esticando” o trem. E Donadon acelerou, espaçadamente (…3…4…5); ficou aí um tempo, esperando o trem “reagir” (e “esticar”). O trem, então, se “acomoda”, enquanto a velocidade começa a declinar e, assim, o acelerador é levado para a posição 6 – e o trem volta à VMA e permanece estável nela por uns instantes. Porém, a rampa já vai começar a pesar… Mas Donadon não poderá, de imediato, elevar o acelerador para a posição 7, pois, lá atrás, um grupo grande de vagões está meio “solto” (com engates encolhidos), percorrendo aquele leve declive.

 

Um aumento abrupto na potência causará um “puxão” e poderá fazer arrebentar o trem por lá… Então ele terá de ver a velocidade do trem cair e não  poderá, “muito de cara”, acelerar os motores.   E a velocidade cai para 45km/h e, depois, desce para 40km/h… e então, percebível se fica que aqueles vagões (quaisquer deles, sob influência daquele leve declive) já se adaptaram (ficaram com para-choques esticados) e as locomotivas, então, recebem o ponto 7, enquanto a velocidade cai pra 35km/h. O ponto 7 é empregado e os ruídos aumentam muito, enquanto os escapamentos sopram fumaça mais alto. O ponto 8 será empregado quando o ponto 7 for absorvido por todos os para-choques; quando agir por sobre todo o trem… Decorrido o tempo e espaço necessário, Donadon, enfim, eleva a rotação ao máximo possível – o ponto 8.

 

Toda a força das locomotivas foi posta, então, a rebocar o trem, enquanto a velocidade, ao invés de subir, caía – em razão da influência total que o aclive já exercia sobre o trem.

 

A depender da linha que o trem percorre, vai se desenvolvendo com um tanto de vagões esticados, outros encolhidos e isso, naturalmente, gera choques e arrancos. O que o maquinista tem que fazer é conduzir o trem procurando, sempre, minimizar esses choques. Caso não saiba administrar a potência aplicada à montanha sobre rodas em movimento – e que sofre, sem descanso, a ação de movimento e da força da gravidade, ao mesmo tempo –, os resultados poderão ser trancos e arrancos extrafortes, que hora se concentrarão sobre um “encontro frouxo” de engates e, estes, se ultrapassados os seus limites de resistência a choques, romper-se-ão, imobilizando o trem.

 

Mas, claro, todos os vagões receberão, em algum momento, ao mesmo tempo, uma mesma força de tração das locomotivas – o momento em que estiverem todos “esticados” em um aclive.

 

Pois bem, na rotação máxima, ou oitavo ponto, Donadon manteve as locomotivas. A própria subida, longa, a certa altura, passou a apresentar “pontos de inflexão”, passou a ter secções menos inclinadas após esses pontos e, assim, já “agiam” sobre o trem. Saiu dos 20km/h e alcançou 30 Km/h e depois alcançou 40 km/h, ficando ali por algum tempo; depois subiu para algo próximo de 50km/h; depois caiu de novo para 30km/h, depois subiu um pouco novamente… E, por quilômetros a fio, a linha possibilitava que o trem ficasse à vontade, utilizando-se, sem folga, a rotação máxima dos motores, e sem fazer exceder a VMA.

 

E seguia com aquela “oscilação”. Num momento a rampa pesava um pouco e “trinta”, noutro momento a rampa ficava leve e “quarenta”; enquanto o acelerador era mantido numa só posição – o ponto 8.

 

As locomotivas, porém, automaticamente faziam, a cada aumento e/ou diminuição de velocidade, suas “trocas de conexões elétricas” – o que equivale às trocas de marcha num automóvel. O que intrigava Ananias, é que de dentro dos armários elétricos no interior da cabine (“armários elétricos” ficam às “costas” da cabine de condução – geralmente), vinham estalos secos assustadores, acompanhados de verdadeiros relâmpagos internos, pois se viam os clarões azuis pelas frestas das portas de tais armários. Eram os “contatores” de alta voltagem, “saindo” e “entrando” alternadamente para fazer a  “troca de marcha”, de acordo com a velocidade que o trem ganhava ou perdia – velocidade que obedecia a posição do trem, desenvolvendo-se pelas nuances de percentagem de inclinação e “pontos de inflexão” do, então,  leve perfil em rampa que, agora, percorria.  Nessas “trocas”, a locomotiva líder, por não estar escorada pelos dois lados (estava “solta” à frente) se dava a um vai e vem mais violento, parecendo que, em dado momento, iria se lançar à frente, rompendo seu engate.

 

Ananias viu que Donadon, ao ficar muito tempo sem movimentar nada ao painel de comando, indiferente que estava ao “fogo” azulado que passeava dentro dos armários elétricos, deu umas “pescadas”… Já era início de madrugada e era natural que o sono viesse mais pesado.

 

Depois daquele terreno – ou perfil – “ondulado tendencioso a aclive”, o trem teria pela frente uma subida longa e constantemente pesada; No oitavo ponto em que estava trabalhando, Donadon permaneceu. O trem avançava e todo se incluiu na rampa verdadeiramente forte e longa. A velocidade, então, caiu e se estabilizou em 20km/h. Os trilhos ali estavam bem secos e as locomotivas faziam força de maneira igual. Tracionavam com boa aderência e seguiam produzindo o seu barulho máximo, à carga plena.

 

Ananias se impressionava com o estardalhaço dos motores e, admirado, teve que ir olhar para as locomotivas de trás.

 

Do escapamento do motor de uma delas surgia uma “língua de fogo” de meio metro de altura… Soprava forte e sumia, para, em seguida, soprar forte de novo, num vai e vem cadenciado. Ananias ficou emocionado; apaixonou-se, perdidamente, pela labareda. Conhecia as “máquinas”, mas não imaginava aquilo, “bonito” daquele jeito.

 

Naquela “tração” havia locomotivas com dois tipos distintos de motor (fabricantes distintos). Havia motor do tipo que, à carga plena, funciona “renovando o fôlego” (o de Ciclo Dois Tempos) e motores que funcionam mantendo um fôlego só (o de Ciclo Quatro Tempos)… Geralmente, os motores “dois tempos” é que, ao “renovar o fôlego”, fazem labaredas “cadenciadas”.

 

Diga-se, de passagem, que o que se dava ali eram “labaredas honestas”, digamos… Sim, honestas! Porque labaredas de graça passam a indicar é defeito no motor da locomotiva.

 

Quanto aos motores “quatro tempos”, fazem, também, labaredas honestas, porém as emite de forma menos cadenciada; uma labareda bem mais baixa e, muitas vezes, constante.

 

Havia, naquele grupo de cinco, uma única locomotiva de motor “dois tempos” e era ela quem estava a lançar labaredas mais expressivas. Eram labaredas honestas, “sopradas” quando nos momentos de “expiração máxima” do motor e que sumiam nos momentos em que ele “puxava fôlego”.

 

Ora, labaredas honestas, em qualquer dos motores, surgem quando o motor Diesel é forçado a fazer o “pico de injeção” (de combustível), para que não sucumba ao ápice da “força de reverso”, proporcionada pelo gerador/alternador em conjunto com os motores elétricos de tração nas rodas.

 

A “força de reverso” surge do seguinte enredo:

 

Quando o trem segue, lento e barulhento, numa subida forte, o motor Diesel da locomotiva estará acelerado ao máximo para mantê-lo, efetivamente, subindo a rampa. Quem recebe a rotação e força do motor Diesel é o gerador/alternador (ou Gerador Mestre ou Alternador de Força). E ele produzirá o máximo de corrente elétrica que puder. Essa corrente elétrica estará indo, ininterruptamente, para os motores de tração elétricos montados nas rodas da locomotiva, enquanto que elas estarão impedidas de rodar livremente… afinal,   a locomotiva estará tentando vencer uma subida, arrastando vagões com ela.

 

Os motores de tração nas rodas, lentos então, terão dificuldade de consumir toda a energia que chega ininterruptamente e tentarão devolvê-la para o gerador/alternador que, sobrecarregado então, se “desespera” e tentará paralisar o motor Diesel – afinal ele é que estará “forçando a barra”… O motor Diesel sente o drama dessa “força de reverso”, mas não vai parar mesmo e, visando a manter sua força e rotação máxima pré-estabelecida “aceitará” (e aplicará), de bom grado, um “pico de injeção” (de combustível) – visando a manter a força requerida.

 

No mais, não havendo fatores que prejudiquem a aderência das rodas aos trilhos, segue o “empurra-empurra” e só o que restará é barulho, fumaça e labaredas honestas – a coisa vai.

 

Pois bem, se motor Diesel faz força descomunal, o gerador/alternador, junto aos motores de tração nas rodas, oferecem resistência e tudo ainda continua inteiro, é porque tudo faz parte de um “sistema fechado”, de um “casamento” onde o motor Diesel e tais componentes elétricos de alta voltagem (gerador/alternador e motores elétricos de tração nas rodas) precisam manter uma constante “DR”; têm de “discutir a relação”… Mas, são todos brutos e precisam ter espécies de “conselheiro”.

 

O “conselheiro” do motor Diesel é um mecanismo que se chama (em português) “governador do motor”; O gerador/alternador tem, por “conselheiro”, certo “regulador de carga”… Assim, tais “conselheiros”, ficam sempre por ali, intimamente ligados, a apaziguar e a não deixar que a coisa exploda ou se parta ao meio.

 

Pois bem, Grupos-Geradores à plena carga dão o barulho total ao trem e fazem sair labaredas pelos escapamentos dos motores à explosão. Elas, se honestas, indicam que a locomotiva em questão está operando em sua potência máxima, pré-estipulada. Qualquer labareda fora desse estrito ciclo indica defeito no motor Diesel – e o defeito pode aumentar a labareda sobremaneira dentro desse ciclo, já trazendo riscos.

 

Ananias assistia a tudo e sua cabeça se ocupava de todas as dimensões relativas ao trem… a  ponto de se apaixonar perdidamente pelas labaredas honestas.

 

E o trem seguia, noite adentro, no ermo. Seu barulho, quando lento e acelerado ao máximo, era uma mistura de explosões confinadas, assovios de turbinas, compressores de ar. Tudo, ainda, misturado ao lamuriento gemido magnético de geradores/alternadores e dos motores elétricos de tração nas rodas… Aquilo não se dava em centros urbanos. Ananias lamentava.

 

Afinal, nas cidades não se dava aquela perfeita sintonia; não acontecia aquela maravilhosa e estrondeante miscelânea. Ao percorrer perímetros urbanos, a locomotiva não só não pode apresentar o belo show de seu Grupo-Gerador, como, ainda, tem as  buzinadas e os indecentes sinos, a atrapalhar… Sim, Ananias lamentava, porque o desenvolvimento dos trens era, no ermo, infinitamente mais “bonito”, mais “arrepiante”, do que o que se via deles nas cidades.

 

E Ananias viu a lua “se esconder” atrás de um maciço montanhoso ao qual o trem dirigia-se vagarosamente e barulhento; depois da curva, certamente viria um túnel. Veio e revelou-se fantasmagórico a esperar o trem com sua embocadura em alvenaria já enegrecida pelos constantes sopros de fumaça dos escapamentos. Nos lados da entrada dele, à meia altura e pintado de amarelo, uma placa indicava com escrita preta: “640m”.

 

Ananias ficou com medo de sentir medo e olhou mais uma vez para Donadon – que, naquele momento, fechava a janela ao seu lado. Ananias ainda conseguiu se surpreender quando as locomotivas entraram no túnel e, acaso tivesse ainda um coração físico, teria lhe saltado pela boca – (gosta da barulhada do trem, o “maluco por trem”).

 

É que todo o barulho que ouvira em campo aberto era “fichinha” perto do que passou a ouvir dentro do túnel. Com dissipação nenhuma do som, era como se o barulho de todos os motores, dos compressores, os gemidos dos geradores, os assovios das turbinas estivessem, ao mesmo tempo, todos ali, ao seu lado, dentro da pequena cabine… A soma do barulho era indescritível. Ananias, quase “em lágrimas” de emoção, foi colar a testa junto ao vidro da porta à sua frente, acompanhando o porvir constante da parede curva do túnel, aguardando ver a saída.

 

E o trem percorreu as primeiras centenas de metros dentro do túnel e a temperatura dentro da cabine se elevou…   É que a fumaça e o calor produzidos pelas “máquinas” eram contidos pelo túnel e envolviam o trem de modo a ultrapassá-lo, uma vez que seguia lento. A fumaça, a seguir, passou a ser vista ao alto, à frente, acima do facho do farol; Já invadia a cabine por todas as frestas, de modo que Donadon usava a camisa nas narinas, para tentar filtrar o ar.

 

O esforço das locomotivas era tremendo e suas rodas sofriam microdeslizamentos, enquanto lâmpadas de aviso piscavam e cigarras “arranhavam”. O túnel terminaria com uma reta e seu final já podia ser visto quando o ar ficou rarefeito e mais quente… Aquela situação – pensou Ananias – devia provocar a todos os maquinistas, uma brincadeira qualquer de contagem regressiva, afinal só aquilo podia ser feito.

 

O facho do farol já traspassava com dificuldade a fumaça quando, enfim, a locomotiva líder pôs a “cara” pra fora do túnel – “empurrando” a fumaça de dentro dele e, depois, passando ainda pelo meio dela… Ao mesmo tempo em que sentiu alívio (preocupara-se com o maquinista), Ananias tomou um susto muito grande. É que, à saída do túnel, Donadon voou em sua direção dando de braços e soltando um berro.

 

Veio, feito louco, abrir a porta dianteira da cabine para coletar, logo, ar fresco… Fez tudo numa precisão admirável, pois, ao mesmo tempo em que se jogou meio desajeitado no banco do auxiliar (onde estava Ananias), abriu a porta à sua frente, num jogo bem articulado de pernas e pés… Um pé desceu como uma marreta sobre a maçaneta da porta, enquanto, o outro, já a escancarava, lançando-a como numa explosão.

 

Na sequência, uma corrente de ar puro e fresco da madrugada no campo varreu o interior da cabine e expulsou a fumaça quente pela porta traseira da cabine (deixada aberta, estrategicamente)… Donadon pareceu ter gostado de ficar jogado por sobre aquele banco, naquela posição, mas logo voltou ao painel para “acudir” o sistema de vigilância – o “homem morto”.

 

Após a saída do túnel, o trem continuou lento. Seguiu acelerado, porém, até que as locomotivas tomaram um “corte quase túnel”. Percorreu-o e, ao final dele, começaram a ser desaceleradas… Donadon retirou o acelerador da posição 8, trouxe para a posição 7, depois para a 6, depois para a 5… Tudo, espaçadamente. Retirava parte da força tratora e o trem não perdia velocidade – mantinha-se em torno de uns 22km/h… É que começava por ali a descida; O tope ou “virada” da rampa já ficara lá atrás, nalguma marca entre o túnel e aquele “corte quase túnel”.

 

O trem todo tinha, agora, o formato de um longo pedaço de barbante esticado, porém flexionado (ou curvado) próximo ao meio; um barbante esticado e curvado num único ponto de modo que formava uma letra V de cabeça para baixo – porém com as “pernas” do V bem mais abertas.

 

Não teria o trem, à sua frente, exatamente uma “descida de serra”; não tinha a rampa em declive, ali iniciada, essa característica, mas era uma descida longa e exigia cuidados por parte do maquinista. A rotação moderada, aplicada ainda aos motores, era para ajudar a parte da frente do trem, que já descia, a puxar a parte de trás que, naquele momento ainda mais comprida (…4), ainda subia a rampa… Até que a diferença de peso, aliado ao movimento à frente e esforço das locomotivas (…3) pendeu para a (…2) parte (…1) dianteira. A parte dianteira do trem que descia, puxava (…neutro) agora a parte de trás do trem, então, já menor.

 

Atingiu-se uma situação em que o trem se movimentava lentamente à frente, mesmo com as locomotivas em neutro – sem força alguma de tração.

 

E Donadon cuidou logo de entrar com a chamada “aplicação básica” de freios dos vagões, para que aquilo não viesse a desembestar pelo morro abaixo. O trem já estava por conta da lei da gravidade e as mais de quinze mil toneladas de peso sobre rodas precisavam começar a receber freios antes de, efetivamente, tomar velocidade (o trem precisa receber freios antes que embale).

 

Aquele trem, como água por morro abaixo, estava pronto para arrasar  com tudo ou pronto para produzir energia controladamente – a locomotiva Diesel é equipada para que se dê o segundo caso (apesar de que não aproveitará a energia produzida)… Em seu painel, ao “encostar” e travar a alavanca do acelerador, Donadon fez “liberar” outra alavanca – a do freio dinâmico.

 

O freio dinâmico terá que, também, ser usado na descida que se iniciava para o trem; O freio dinâmico é, principalmente, usado em auxílio ao freio principal do trem – o freio dos vagões (quanto a ele, vimos que Donadon já requerera a “aplicação básica”).

 

Enfim, a descida se inicia e as locomotivas já não precisarão fazer força alguma, mas passarão a ter outro papel importante – auxiliar com seu freio dinâmico para uma segura operação do trem, morro abaixo.

 

O tempo de “virada” do trem foi lento, satisfatório para iniciar com presteza o uso do freio dinâmico.

 

Donadon já avançava com a alavanca do freio dinâmico em seu campo de ação e as locomotivas começaram a produzir, em suas rodas, certa resistência ao rodar livre e, com isso, “seguravam” elas mesmas e aos vagões que começaram a “encostar” nelas… Vagões que, por sua vez, já tinham recebido uma “aplicação básica” de freios de fricção em suas rodas – o que era suficiente por ali, no começo do declive.

 

Como o freio dinâmico começava a exercer auxílio na frenagem e “encolher” o trem, era quase possível contar, um a um, os vagões a se apoiarem nas locomotivas, formando um bloco cada vez maior e mais pesado de segurar… Por isso,  Donadon, antes de o trem embalar, já operava com a alavanca do freio dinâmico em direção ao máximo de eficiência dele, e as locomotivas faziam um barulho diferente, igualmente ensurdecedor, porém, menos de motores a explosão e mais de geradores e ventiladores.

 

Se Ananias pudesse, teria perguntado a Donadon como se dava, afinal, o funcionamento do freio dinâmico… e a resposta teria sido mais ou menos esta:

 

O funcionamento do freio dinâmico se equivale a algo “simplório” e bem conhecido por muitos; Equivale-se ao funcionamento do dínamo que acende o farol da bicicleta… Sinta as palavras “entregando”: dinâmico/dínamo; “freio dinâmico”/“freio por dínamo”. O dínamo é induzido a rodar; Ao rodar produz eletricidade; ao produzir eletricidade, fica “pesado” – de ser rodado.

 

E, vamos ver então, como funciona a bicicleta com dínamo, para acender farol. Imagine-se pedalando uma bicicleta (equipada com dínamo e farol) no chão plano de um campo de futebol. Para manter uma mesma toada, você terá de ir pedalando sempre. Pois bem, você faz sempre uma força só aos pedais e a bicicleta roda “solta”. Mas, sua bicicleta tem dínamo e, então, você solta a trava dele e faz com que sua polia entre em contato com o pneu (ou roda); faz com que o dínamo passe a ser girado pela roda da bicicleta… Você ainda não acendeu o farol, mas,  já nesse simples ato de por o dínamo em contato com o pneu, sua bicicleta já ficará mais pesada de rodar, afinal o dínamo agora se força fisicamente contra a roda da bicicleta, que antes rodava totalmente livre. Então, nesse ato, você já tem de aumentar um pouco sua força pra pedalar, se quiser continuar mantendo a mesma velocidade…

 

Pois bem, o dínamo já está sendo rodado (sem trabalhar – sem acender o farol) e, então, você vai e acende o farol… Quando você acende o farol, fecha-se um ciclo e o dínamo começa a trabalhar; começa a produzir corrente elétrica para acender o farol. Você, então, percebe que a bicicleta ficou, de fato, bem mais pesada para pedalar. É que um dínamo, posto a produzir corrente, “fica pesado de rodar”. Como ficou mais pesada a bicicleta, você vai ter que por mais força ainda aos pedais, se quiser manter a mesma velocidade… Numa descida com a mesma bicicleta – com seu farol aceso – você não gastaria muito as borrachinhas de freio.

 

Quando um dínamo é posto a produzir corrente elétrica ele oferece resistência para rodar livremente. O eixo central dele, o “induzido”, dotado de enrolamentos de fios, encontra resistência para ser girado, dentro das “armaduras” imantadas, que formam o campo magnético dentro dele.

 

Assim é o freio dinâmico das locomotivas. Em freio dinâmico, seus motores elétricos de tração são postos a funcionar como dínamos. Se a locomotiva possui seis poderosos motores elétricos de tração, em freio dinâmico esses seis poderosos motores elétricos de tração se tornam seis poderosos dínamos…

 

Quando o maquinista “encosta” o acelerador, os motores elétricos de tração nas rodas ficam “neutros” e prontos para trabalhar de acordo com o que for solicitado… Se o maquinista deixa o acelerador para lá e entra com o freio dinâmico, os motores elétricos de tração obedecem ao comando vindo da alavanca de freio dinâmico e passam a ser… dínamos.

 

Os dínamos, nas rodas, passam a produzir eletricidade, consequentemente ficam pesados para serem rodados… E, repito, ficam pesados para serem rodados em razão da resistência que seus “induzidos” encontram para rodar livremente dentro do campo magnético formado por sua “armadura”.

 

Se  ficam “pesados” para serem rodados, conterão o ímpeto de embalo do trem, consequentemente auxiliando na frenagem nas descidas. Ainda, o maquinista pode utilizar o freio dinâmico moderadamente ou em todo seu potencial. Faz isso ao escolher uma posição para a alavanca do freio dinâmico… Enfim, o freio dinâmico é flexível e o maquinista pode “passear” com sua alavanca, utilizando o necessário de frenagem a cada momento da descida. Ao “passear” com a alavanca em seu curso, aumenta ou diminui a produção de corrente elétrica nos dínamos.

 

Ah, sim, na locomotiva Diesel, a eletricidade produzida em freio dinâmico é jogada fora. É descartada, em grande parte, nas “grades dissipadoras de energia” e, um pouco, em um ventilador – ambos, componentes do freio dinâmico… Essas grades tenderão a se esquentar mais que um ferro elétrico, mas seu ventilador não deixará que peguem fogo. (CONTINUA)

 

 

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