Um Fantasma no Trem – Parte 5

 

 

(CONTINUAÇÃO) …maquinistas finalizando a jornada. O “direito” de partir primeiro (“fazer” o primeiro trem a sair do pátio) era do maquinista que estivesse mais tempo “aguardando”. Ou seja, quem “pegava” o primeiro trem era quem estivesse “mais velho” em prontidão – fosse o primeiro trem (e destino) de preferência dele ou não.

 

A viagem preferida pela ampla maioria daqueles maquinistas era a viagem para Serra Branca; A viagem para Mineriolândia era tolerada, apenas.

 

Mesmo outros serviços relativos aos trens (tinham, também, os “lastros”, manobras em terminais e, ainda, toda a complexidade de render maquinistas no trecho – o que era feito pelos “carros de troca”) eram “vigiados com lupa”, pelos próprios maquinistas – no relativo à regra “frente”… Isto porque visava-se, sempre, a “escapar” de Minériolândia e se dirigir a Serra Branca (ou, ao menos, para os lados de Serra Branca).

 

Mineriolândia, de fato, era, entre aqueles ferroviários, o apelido da cidade a qual estavam as jazidas de minério de ferro que aquela ferrovia transportava. O caso é que a maioria absoluta dos maquinistas “evitava” viajar para tal cidade (ou destino) – corriam de Mineriolândia “como o diabo corre da cruz”.

 

O motivo, é que a viagem pra Mineriolândia era considerada trabalhosa, cansativa. Ora, o trecho de ferrovia compreendido entre Lauriano e Mineriolândia era longo, tedioso, com muitas passagens de nível (cortava muitas rodovias e estradas vicinais) e, no percurso, havia rampas longas e muito pesadas, sempre prontas a “segurar” um trem e a tornar mais extenuantes e empoeiradas as viagens. Também, já à saída de Lauriano (para se dirigir a Mineriolândia), tinha-se que aguardar abastecer locomotivas de Diesel e ajudar a abastecer de areia – esta última, poeirenta atividade detestável ao maquinista “do trecho”. Uma vez em Mineriolândia, na chegada das viagens, sempre se podia acontecer de o maquinista ter que “esticar jornada”, trabalhando nos carregamentos – de minério. Também, no regresso (a Lauriano), podia vir a acontecer de, primeiro, ter que se ir para o carregamento de minério. Ainda, dentro do perímetro urbano de Mineriolândia, havia o “protesto” de alguns sisudos cidadãos contra a presença dos trens, pois, comumente, os trens, ali, “fechavam” passagens de nível… E, o pior: em Mineriolândia, os galantes e paqueradores não se davam muito bem. É que as moças da localidade, “metidas a chique”, não eram de dar confiança para ferroviário (principalmente para maquinistas com suas horríveis camisas cor de “burro fugido” – brincava-se).

 

Quanto à viagem para Serra Branca? Ora, era exatamente o contrário.

 

O trecho para Serra Branca era ligeiramente mais curto, mais “leve” e, trazia poucas passagens de nível. No percurso, havia pequenas cidades, mas todas simpáticas. Quando, ainda na saída em Lauriano, já se recebia as locomotivas abastecidas de Diesel e areia – (Donadon assim irá receber em instantes). Uma vez em Serra Branca, não se dá manobras em trens; dá-se apenas uma parada rápida – e até “vigiada”, para se garantir a rapidez – para a troca de maquinistas… E, então, após uma viagem rápida e “limpa”, o sujeito já se vê em condição de “liberado”. Liberado para o descanso, para o chuveiro, para a bermuda, para o “sucesso” ou “crime” (as paqueras). Por sua vez, a acolhida dos moradores era a mais amigável possível. E, principalmente, os galantes e paqueradores ali se davam menos mal… Serra Branca era – na “linha do tempo” – local de muitos casamentos realizados entre maquinistas e moradoras locais.

 

E ainda não era só isso. Havia, entre os maquinistas, na comparação entre as duas cidades/destino, até brincadeiras já “folclóricas”, como: na viagem para Mineriolândia, as estações climáticas eram mais severas – os invernos, mais frios; os verões, mais quentes… Enquanto que, para Serra Branca, dava-se o exato contrário:  frio mais tolerável no inverno; e conseguiam dormir bem, mesmo nos dias considerados quentes. E, lógico, para Serra Branca o próprio ar era mais puro, uma vez que em Mineriolândia – teimava-se – havia poeira (de minério) no ar.

 

E, dizia-se ainda, que a viagem para Serra Branca era uma terapia, enquanto que para Mineriolândia era coisa como “stress aplicado na veia”… Para Mineriolândia considerava-se que se estava trabalhando de fato (um castigo quase), enquanto que, para Serra Branca, o cara se via numa espécie de veraneio.

 

Quando para Mineriolândia trabalhava-se muito (“ganhava-se mais”) – fazia-se hora extra. Quando para Serra Branca, trabalhava-se pouco – “vivia-se mais”. E, ainda, de tal modo a viagem para Serra Branca era considerada melhor, que preferiam (você vai acabar entendendo isso mais à frente, caro leitor, maluco por trem) viajar para Serra Branca com locomotiva em “capotão” do que para Mineriolândia com locomotiva em “capotinha”…

 

Agora imagine, num ambiente desses, o que poderia fazer, às vezes sem pudor, um maquinista (e seu auxiliar) para “empurrar” a viagem a Mineriolândia para outro (e ficar com Serra Branca).

 

Entre os atos praticados incluía aproveitar qualquer “deslize” por parte do controle do plantão e embarcar logo no trem, ou no “lastro”, ou no “carro de troca”, para Serra Branca… ou mesmo, simplesmente, para os lados de Serra Branca. Incluía, também, “agradar” o plantão, na tentativa de ganhar-lhe a simpatia… Com certeza, nada disso, e nem as tramoias que decorriam disso, importava à ferrovia – todos os maquinistas e auxiliares, sem exceção, visitavam regularmente as duas localidades (ou cidades).

 

Havia (e houvera, na “linha do tempo”), no entanto, raríssimas exceções à preferência e até os indiferentes à trama. Um número insignificante, no qual Donadon se incluía… Preferia Mineriolândia porque, por lá, tinha a namorada – até nisso era “diferente” e arranjara “rabo de saia” no “lugar errado” (riam). Por isso, o outro maquinista, que, afinal, sabia do fato, tentara lhe oferecer a troca – que fora prontamente desaconselhada pelo plantão, em nome de certo profissionalismo.

 

Tudo entendido e os dois seguiram cada um ao seu trem sem contestar a decisão do plantão; Aceitaram a picardia sem discutir… Ademais, passava longe de qualquer maquinista, “bater de frente” com a decisão do plantão, afinal, no outro dia de manhã, quando estivessem longe dali, desmaiados numa cama de alojamento, o serviço da noite e qualquer “alteração”, seriam relatados aos supervisores de ‘Locomoção’ (chefes dos maquinistas)… e,  com eles, ninguém queria perder pontos de graça.

 

Os dois maquinistas e o auxiliar, antes de irem aos seus trens, passaram pela “cantina terceirizada” e receberam,  cada qual, o seu “kit-lanche”… Ananias seguiu-os de perto. Estava decidido a embarcar com Donadon.

 

O trem, o qual Donadon assumiria seu comando, aproximou-se com o farol fraco aceso e parou… Nessa parada, as locomotivas ficavam próximas ao prédio longo, no marco de entre-via. O trem estava “pronto” – os maquinistas da manobra já lhe haviam feito revistas e abastecimentos, no outro lado do pátio, na Seção Dois.   Donadon assumiu o comando do trem e ficou aguardando a passagem do trem em cruzamento – o que seguiria, em “capotão”, com o outro maquinista e um auxiliar.

 

Em instantes, tal trem apontou pelo “verdadeiro beco formado por prédios”, passou pela “PN de Lauriano” e iniciou sua entrada no pátio.

 

Como era “alta noite” e não havia trânsito considerável na avenida, houve uma parada rápida, para a troca de maquinistas, por ali mesmo. Depois o trem foi puxado para a outra ponta do pátio. Não estava “pronto” e foi receber abastecimento de Diesel, areia e trocar de locomotiva líder – na Seção Dois… Esse trem – o que Donadon gostaria de ter ido nele –, é que teria locomotiva líder trocada ali. A partir dali, passaria a trafegar com locomotiva líder “empurrando motor” (de “capotão”).

 

Isso porque deixaria ali, na oficina de Lauriano, a sua locomotiva líder (que chegava em “capotinha”)… O caso é que não havia outra para substituí-la, em mesma situação de “capotinha”. Havia, disponibilizadas pelas oficinas, apenas locomotivas de “capotão”, em relação ao sentido de marcha daquele trem.

 

As locomotivas, quando retiradas dos trens em Lauriano, obedeciam ao momento de entrarem para as revisões, para as “revistas programadas” ou, simplesmente, eram retiradas em razão de defeitos. Então, visando a manter no trem a mesma necessária quantidade de locomotivas, punham outra locomotiva nele. Tal locomotiva, “a entrar para o trem”, estava sempre em condição de “boa” – “saindo da oficina”… Por mera casualidade, a locomotiva que entrava para aquele trem (em consideração) estava com “capota” em posição contrária à que substituiria (poderia ocorrer o contrário – sempre casualmente). Enfim, a locomotiva que saia do trem estava de “capotinha” em relação ao sentido de marcha do trem que vinha “liderando” e, a que entrava para o trem, estava de “capotão” – em relação a ele, ou seja, ao sentido de marcha dele.

 

A situação de trocar locomotivas e ocorrer “inversão de capota” era uma casualidade. Ocorria, e procuravam corrigir… se tivesse correção. Por exemplo: se houvesse no trem alguma outra locomotiva em “capotinha”, seriam feitas manobras visando posicioná-la como “líder”.

 

O caso é que, em Lauriano, mesmo portando sua estratégica oficina de manutenção, não havia meios de dar giro a locomotivas, caso fosse preciso… e tudo dependia de certa sorte do maquinista ,uma vez que conduzir uma locomotiva “de ré” por dezenas de quilômetros é algo, ainda que possível, bastante inapropriado.

 

A locomotiva Diesel-elétrica, por força de seu projeto, tem a cabine de condução mais próxima a uma das extremidades de seu estrado. Ou seja, a cabine de condução fica numa das “pontas” da locomotiva; Sua cabine – que é única – fica, então, numa posição em que faz indicar, claramente, o que é frente e o que é “ré”. Nessa divisão de espaço, que tem como “referência” a cabine de condução, sobra para um lado o estrado longo (ou “capotão”); para o outro lado da cabine tem-se um estrado curto (ou “capotinha”).

 

No corpo longo do estrado (o “capotão”) ficam o imenso motor Diesel e os principais geradores, compressores e reservatórios diversos. No estrado curto (a “capotinha”) tem-se algum reservatório e válvulas de ar ou baterias de acumuladores… A “capotinha”, por sua vez, pode se apresentar em dois tipos: pode ser em “nariz baixo” ou “nariz alto”, onde o mais comum é o “nariz baixo”, em estilo chamado “visão panorâmica” – a maioria das locomotivas.

 

A locomotiva Diesel-elétrica, de qualquer modo que venha a trafegar ou operar – de “capotinha” ou de “capotão/empurrando motor”, que seja de frente ou de “recuo” – faz a mesma força, tem a mesma produção; sua disposição no trem não altera seu desempenho. Possui a diferenciação frente (“capotinha”) ou ré (“capotão”) porque, além de ser algo plenamente percebível, (não é difícil nem a um leigo, dizer se uma locomotiva está de frente ou ré), por essa disposição se elabora a posição dos equipamentos e se dá um “norte” a todo procedimento. Para o maquinista, com ela de frente (“capotinha”), tem-se visibilidade ampla (“visão panorâmica”) e posição mais cômoda ao painel de comando. Com ela de ré (“capotão”), o maquinista trabalha sentado fora de uma conveniente posição ergométrica, durante toda a viagem.

 

Enfim, a uma locomotiva líder em um trem, se de “capotinha”, diz-se que está de “capota normal” – o que induz a concluir que, se de “capotão”, tem-se uma situação anormal.

 

Conveniente então, é que, quando esteja “líder” a locomotiva, em um trem, que trafegue de capota normal, ou seja, de “capotinha”. Isso permite, por exemplo, a “monocondução” – que é a viagem solitária, sem a companhia de um auxiliar de maquinista.

 

Quando está o trem com locomotiva em “capotão”, precisa-se, de fato, de dois indivíduos na cabine, onde cada um “vigia” um lado – do “capotão”… Como vimos, para aquele trem que Donadon gostaria de ter ido, o plantão acionou um auxiliar de maquinista (havia sempre, em Lauriano, turmas de auxiliares “sobrando” ou em treinamento para o cargo de maquinista – viajavam nos trens, qualquer que fosse a “capota” da locomotiva).

 

O “capotão” é situação em que maquinista e auxiliar viajam com visão inapropriada à frente, levando lufadas de fumaça do escapamento da locomotiva por toda a viagem – fumaça que sempre entra uma “raspa”, mesmo estando fechadas as janelas e portas.

 

Imperativo é, então, em qualquer ferrovia, que se façam as manobras necessárias, para se evitar trafegar com a locomotiva líder em “capotão”, afinal um trem tem sempre um grupo de locomotivas. No entanto, dentro da complexidade das operações ferroviárias, nem sempre é possível – vez ou outra, sempre se verá trens circulando com a locomotiva líder nessa situação dita anormal.

 

O complexo ferroviário de Lauriano, mesmo trazendo estratégicas oficinas de manutenção, não era dotado de meios de girar locomotivas, caso preciso fosse. Tal realidade fazia aumentar a incidência de “capotão”, uma vez que, ali, trocavam-se locomotivas em trens. Mas, também, entendia-se ali (sem margem para contestação, de fato), não se tratava de “coisa do outro mundo”. Apenas fazia aumentar, um pouco, o número de uma ocorrência naturalmente inerente à cena ferroviária.

 

Pois bem, executados os procedimentos dos trens em cruzamento, o trem em que estava Donadon poderia partir. Um agente de estação, com alinhado uniforme em camisa branca e gravata preta, veio lhe trazer o bastão Staff de licenciamento – tratava-se de um artefato metálico, espécie de chave com segredo único – ou ranhura única.

 

O bastão Staff funciona como uma “chave” que serve para “abrir” única e exclusivamente algo – no caso, “abre” o trecho de linha ou seção de bloqueio imediatamente à frente do trem. O maquinista segue em viagem com essa “chave” até a próxima estação. Chegando lá, troca-a por outra “chave”, de segredo diferente, que, por sua vez, será a chave pertencente ao trecho ou seção de bloqueio que terá à frente. Em cada estação do trecho se repetirá a troca de “chave” – sempre um bastão de aparência externa igual, porém com “segredo” ou ranhura diferente. Com isso, só um determinado trem terá o direito de usar e se deslocar num distinto trecho – assim, um trem não encontrará outro trem, na mesma linha.

 

Na ferrovia que passava por Lauriano, tal tipo de licenciamento de trens “estava com os dias contados”. O único trecho que ainda operava nesses moldes era aquele compreendido entre Lauriano e Serra Branca. Tal trecho era compreendido de pequenas cidades, todas ainda – dizia-se – “dependentes” do trem de passageiros que, por ali, ainda circulava uma vez por semana. Por isso, pelo fato de as estações – e seus agentes – serem necessárias, ficou por último a modernização do meio de licenciamento de trens. Os trechos restantes daquela ferrovia (inclusive o trecho entre Lauriano e Mineriolândia) já possuíam, há muito, licenciamento mais moderno e ágil; por semáforos, com controles “centralizados”, num sistema chamado CTC, tudo atrelado, evidentemente, ao CCO da ferrovia.

 

O trem de Donadon tinha, à frente, cinco locomotivas; Eram quatro de um mesmo fabricante e uma de outro fabricante, porém, todas dotadas de mesmo peso e potência (somando uma força tratora de quinze  mil HP). Estavam em “tração”, ou seja, estavam todas prontas para trabalhar em conjunto. Tinham mangueiras de ar comprimido e cabos conectores de comandos elétricos ligados entre elas, tudo obedecendo ao “comando” da primeira – a locomotiva líder.

 

A locomotiva Diesel-elétrica (essa é a denominação certa, porém pode-se, resumidamente, dizer “locomotiva Diesel”) é, individualmente, uma usina de força, pois carrega sua própria usina geradora. Um imenso motor a Diesel faz rodar um imenso gerador (ou alternador) de corrente elétrica, que, ao ser rodado, produz corrente (contínua ou alternada) para possibilitar tração.

 

A um conjunto, motor a explosão e gerador (ou alternador), que tem a finalidade de produzir corrente elétrica, dá-se o nome de Grupo-Gerador… Portanto, a locomotiva Diesel carrega seu próprio Grupo-Gerador.

 

O virabrequim do motor Diesel é ligado diretamente ao gerador/alternador. Nesse caso, o RPM (rotação por minuto) do gerador/alternador é sempre a mesma do motor Diesel. A corrente elétrica produzida pelo Grupo-Gerador é para movimentar a locomotiva, consequentemente o trem. Essa corrente elétrica produzida vai, através de cabos condutores especiais, para os motores elétricos de tração, montados e acoplados, por meio de engrenagens aos eixos das rodas da locomotiva – um por eixo.

 

Quando a locomotiva está parada, seu motor Diesel fica “rodando em vazio”; A eletricidade passa a ser produzida pelo gerador/alternador, no momento em que o maquinista “abre” o acelerador em seu painel de controle… Os motores elétricos de tração nas rodas recebem essa eletricidade produzida e vão dar movimento à locomotiva.

 

O maquinista terá, então, a partir do momento em que “abrir” o acelerador, oito posições de rotação. Quanto mais rotação for colocada no motor Diesel, mais o gerador/alternador será girado, mais eletricidade será produzida, mais os motores elétricos de tração nas rodas receberão corrente elétrica… e mais a locomotiva fará força para rebocar o trem.

 

Quando uma locomotiva está fazendo força para rebocar o trem, ela está em “tração”. Quando se juntam duas ou mais locomotivas para fazer força em conjunto, obedecendo a um só comando, tem-se uma tração dupla, tripla, etc. Pelo painel de comando da locomotiva em papel de “líder”, opera-se a todas em conjunto e ao mesmo tempo.

 

Quando uma locomotiva ou uma tração de locomotivas Diesel está rebocando vagões numa descida, ela não estará fazendo força alguma de tração e poderá estar operando em freio dinâmico.

 

A tração quíntupla que estava entregue a Donadon estava rebocando cento e trinta e oito vagões; cada vagão com noventa toneladas de minério, fora seu peso próprio. Por isso, também de freios de fricção eficientes, e não só de força, precisa um trem para transportar sua carga. A linha tem subidas longas e pesadas… e descidas, claro, idem. Naquele “trem tipo” de minério de ferro a verificação dos sistemas de freios de fricção eram uma constante. Enquanto se abasteciam as locomotivas, dois mecânicos de vagões passavam em revista pela mais de centena de vagões, com cuidado especial, a saber, se o ar comprimido que abastece o sistema de freios de fricção dos vagões estava chegando, satisfatoriamente, até o último vagão. Não poderia, também, faltar nenhuma sapata de freio, e nem poderia haver vazamento considerável de ar comprimido.

 

Para melhor acompanhar o trem, vamos a alguma coisa sobre os freios, em geral.

 

Um trem (o conjunto – locomotiva mais a carreira de vagões) tem três tipos de freio e todos atuam – pelo bem da operação – independentes um do outro. Tem-se o freio de fricção da locomotiva, o freio dinâmico da locomotiva e o freio de fricção do vagão.

 

O freio de fricção da locomotiva é de sistema simples (freio a “ar direto”) que envolve reservatório de ar comprimido, válvulas, tirantes e sapatas de freio e é chamado ‘freio independente’ – da locomotiva. O freio independente da locomotiva só serve a ela – para freá-la e para mantê-la parada… Mesmo assim, não é indicado para trazê-la de uma velocidade alta para uma velocidade baixa – nesse caso, deve-se usar o freio dinâmico ou os freios dos vagões que, porventura, estejam atrelados a ela.

 

Quanto ao freio dinâmico, vamos a uma explicação rasteira: É um “freio” que só funciona com relativo movimento (relativa velocidade) das rodas da locomotiva, portanto, é um “mantenedor” (importante) de velocidade em descidas de serra… O freio dinâmico pode até quase parar uma solitária locomotiva, mas não a imobiliza totalmente. Em um trem com vagões, o freio dinâmico é considerado freio auxiliar… O freio dinâmico é o primeiro a “sair” em caso de aplicação de “freio de emergência” no trem, por parte do sistema de freios dos vagões – neste caso porque “emergência” faz acionar, também, o freio independente das locomotivas.

 

Freio independente e freio dinâmico não podem ser usados ao mesmo tempo. Causa momentâneo arrastamento de rodas nas locomotivas.

 

Especificamente quanto ao freio de fricção do vagão, é o que vai formar o principal freio do trem… Melhor dizendo, o freio do conjunto de vagões é, por excelência, o freio de um trem. O freio dos vagões é, oficialmente, chamado de “Freio a Ar Automático – dos vagões” (quanto de explicação já não requer apenas esse termo oficial?). Por “automático” entenda-se que, então, não é sistema de freio a “ar direto”… É um sistema à base de ar comprimido, sim, mas seu funcionamento (e acionamento) é por queda na pressão de ar em outro sistema paralelo (daí ser “automático”)… E  têm-se, então, que há um sistema que “desperta” outro sistema.

 

O freio do vagão é algo complexo e, “soltá-lo” requererá (para se te r uma ideia) mais precisão que na hora de, simplesmente, “aplicá-lo” – dentro de uma lógica “fechada” na condução de trens.

 

Os freios dos vagões  obedecem a duas situações (se aplicam em duas situações): por meio da operação do maquinista e/ou por meio de alguma ruptura, indesejável ou não, na mangueira que conduz o ar comprimido ‘geral direto’ vindo das locomotivas.

 

Pois bem, pegue-se um trem formado e são as locomotivas que fornecem o ar comprimido para o sistema de freios dos vagões – há mangueiras conduzindo o ar comprimido ‘geral direto’ por todo o trem, visando a levá-lo até o último vagão. Por sua vez, todo vagão tem que ter seu próprio freio (um vagão não pode se “escorar” no outro – se um vagão não freia e se “escora” no outro, o trem fica “ruim de freio”). Cada vagão têm suas próprias válvulas e reservatórios e mais outros acessórios para possibilitar sua específica frenagem.

 

Os vagões, por suas válvulas específicas, têm seu freio aplicado quando se “inverte” a noção de ar comprimido ‘geral direto’ vindo da locomotiva… A queda de pressão nesse sistema de ar comprimido ‘geral direto’ faz com que cada vagão aplique seu específico freio – usando, então, seu específico ar comprimido armazenado em seus reservatórios… Cada vagão “armazena” pra si, em “separado”, portanto, o ar de sua específica frenagem. Esse ar comprimido dantes armazenado é que irá, por meio de componentes mecânicos de freio, executar trabalho de apertar as sapatas contra as rodas – e entrará em ação de trabalho quando houver queda de pressão no ar comprimido ‘geral direto’, vindo das locomotivas.

 

São, então, dois sistemas trabalhando juntos – onde um sistema “desperta” o outro.

 

E é isso que dá relativo controle ao maquinista. Ele tem, em seu painel de comando, uma alavanca de freio exclusiva pra os vagões. É uma alavanca com ressaltos, cada qual indicando uma condição de freio para os vagões. É alavanca que possibilita fazer um “escape escalonado” no ar comprimido ‘geral direto’, que é encanado desde a locomotiva, até o ultimo vagão – e, havendo o escape escalonado desse ar, “desperta”, também de modo escalonado, o sistema “em separado”, do freio do vagão.

 

A alavanca de freio exclusiva para os vagões permite, então, fazer aplicar os freios dos vagões de modo graduado… e será chamada, aqui, de “alavanca graduada”.

 

Na “alavanca graduada” se “escolhem” as posições: “trem em marcha”, “aplicação básica”, “setor de avanço na aplicação”, “aplicação total”, “alavanca fora” e “emergência de freios” (não corresponde aos termos técnicos utilizados, mas alude).

 

E o principal freio do trem é mesmo complexo.  Por depender de ar comprimido, tem-se o compressor de ar das locomotivas sempre na causa. Também, na causa, estão, claro, infindáveis outros equipamentos. Todos a trabalhar, solicitados ou não pelo maquinista, em função de proporcionar frenagem ao trem.

 

Melhor que consideremos logo que o sistema todo de ar de freios dos vagões (o freio por excelência do trem)  respeita a certo “pulmão”; é acionado por um “pulmão do trem”.

 

O “pulmão do trem” é que vai proporcionar ar comprimido para movimentar os mecanismos e fazer as frenagens, bem como a soltura dos freios. O “pulmão do trem” é intimamente ligado a cada mecanismo de freio (diversas válvulas, “tirantes”, sapatas de freio, reservatórios diversos de ar, canos e mangueiras condutoras, diafragmas das válvulas, alavancas de freio em geral,  “longeirões”, o próprio compressor de ar)…   e isto (e muito mais) tanto na locomotiva quanto em cada vagão (à exceção do compressor de ar nesse último).

 

Ora, lembremos que há dois sistemas trabalhando juntos, onde um sistema “desperta” o outro… O “pulmão do trem” abastece os dois sistemas, porém não fará tudo a um só tempo. Atenderá a cada fase (ou grupo de fases) separadamente. Precisará, por sinal, de tempo, para executar cada tarefa – em separado.

 

O “pulmão do trem” estará executando fases (ou grupo de fases) mas terá que ter tempo pra completar cada fase requerida a ele; Terá de ter tempo hábil para a “inspiração”, para a “expiração”, para “prender ar” e, principalmente, terá que ter tempo pra “distinguir” uma fase da outra – cada fase tem de estar “completa” para poder se passar para outra fase. Uma fase não pode, por ação do maquinista, ser  “misturada” à outra fase, sob pena de “confundir” o “pulmão do trem”… Apesar de que, claro, o “pulmão do trem”, por si, em seu “íntimo”, é concebido para executar mais de uma tarefa ou ciclos específicos, ao mesmo tempo.

 

Quem requer frenagem ao “pulmão do trem” é o maquinista. De qualquer forma, quando é requerido a executar frenagem, o “pulmão do trem” já estará, desde muito, trabalhando no sentido de poder proporcionar o ato de frear. Estará comandado por um circuito fechado e autocontrolado, de modo a proporcionar as condições necessárias à frenagem – requerendo ou não frenagem, o maquinista.

 

O “pulmão do trem” terá o tamanho do trem… Se o trem tem um quilometro e meio de comprimento, terá essa medida o “pulmão do trem” – o maquinista terá essa medida a considerar, quando recorrer à sua “alavanca graduada”; Se o trem tiver noventa metros apenas, terá noventa metros apenas o “pulmão do trem”.

 

Quanto mais longo e pesado for o trem, mais tempo precisará o “pulmão do trem” para executar suas diversas fases de trabalho… E, claro, uma “quebra de trem” indesejável fará aplicar freios e mudar as fases de trabalho do “pulmão do trem”.

 

O freio dos vagões, em razão de haver dois sistemas (um despertando o outro) é algo tipo “ou oito ou oitenta”. Não é possível ao maquinista, por exemplo, cuidar maleavelmente do freio do último vagão, estando ele a um quilômetro e meio de sua “alavanca graduada” ao painel de comando da locomotiva. Nem mesmo é possível cuidar maleavelmente do vagão que estiver a meros cem metros da locomotiva… Enfim, não é possível, ao maquinista, lidar maleavelmente (ou flexivelmente), nem mesmo com o freio do primeiro vagão após a locomotiva… O maquinista tem de ser objetivo no quesito ‘uso dos freios dos vagões’.

 

No sistema de freios dos vagões do trem em marcha tem-se que os termos técnicos usados, entre muitos outros, são: tempo de carregamento, tempo de recarregamento, tempo de equalização, aplicação (de freios), soltura (de freios)… As funções do “pulmão do trem”, nesse complexo sistema de frenagem dos vagões, incluem fornecer ar comprimido para as aplicações de freio, fazer soltura dos freios quando solicitado, “recarregar” o sistema de ar comprimido após cada fase, entre outros.

 

Pois bem, o maquinista, para lidar com tudo isso, terá que conhecer não só ao trem, mas, também, a linha em que vai percorrer o trem. Assim poderá, por exemplo, num trem pesado, fazer uma “descida de serra” em modo seguro.

 

Mas, já que entramos a falar de segurança no deslocamento dos trens, vamos concluir. O trem poderá sofrer interferências em sua situação dita normal, no referente a freios, em geral.

 

Por isso, o sistema do principal freio do trem (o freio dos vagões) tem sempre que ser o mais “vigiado” na ferrovia.

 

No mais, há que se considerar que poderão ocorrer “interferências técnicas escondidas” e  “deslizes operacionais” – no referente não só nos freios dos vagões, mas, também, noutros aspectos relativos à condução de um trem.

 

Com o termo “interferência técnica escondida”, faço alusão a fadigas e ou defeitos, intermitentes ou não, indetectáveis a princípio, que surgem na própria “formação” do trem, podendo levar a ocasionar prejuízo à boa frenagem em geral, quando o trem estiver em marcha.

 

Um sistema de freios de um trem pode se apresentar perfeito na “formação” e apresentar imperfeições logo que entrar em movimento. Imperfeições que poderão ser mais influentes quando numa “descida de serra”, claro.

 

Pode surgir vazamento de ar comprimido, excessivo ou não, o que pode fazer “confundir” as melindrosas válvulas de freio dos vagões; Podem ocorrer pequenos vazamentos de ar na composição que, somados, se tornam vazamentos grandes – de ar; Podem ocorrer vazamentos de ar comprimido que se mostram num sentido de curva e, em outro, não (as mangueiras condutoras de ar comprimido dependem de acoplamentos, são em borracha flexível e podem sofrer ação das curvas da linha); Pode acontecer de alguma torneira de passagem de ar comprimido de vagão (do ar comprimido “geral direto”), estar, internamente, a “meio pau”, a prejudicar o fluxo de ar.

 

Especificamente, no caso, “torneira (de vagão) interna a ‘meio pau’”, como o próprio termo atesta, é um defeito interno e, portanto, indetectável a uma primeira vista (e é defeito em razão de fadiga, que ocorre lenta e continuadamente). Na “formação” do trem, não há como conferir se, do lado de dentro do equipamento, ocorreu “abertura” equivalente ao que ficou indicado exteriormente. Uma abertura, se tornada já não muito suficiente, pode prejudicar o fluxo de ar comprimido e levar a situação de “atraso” no que diz respeito à expectativa do maquinista.

 

E tem os casos do freio dinâmico. Ele é influente por demais e pode prejudicar o bom andamento em certas circunstâncias de “descida de serra”.

 

Na “descida de serra”, uma ou outra locomotiva pode passar a apresentar freio dinâmico fraco (sem nem mesmo o maquinista saber). Ou, pior, uma locomotiva pode começar a apresentar freio dinâmico em excesso, (o que obriga a trabalhar “por ela”, subutilizando, então, as outras de uma tração)… Tudo isso obriga o maquinista a reformular sua condução, com o trem já em marcha.

 

Há outros exemplos de “interferência técnica escondida” em relação aos freios de um trem (e, inclusive, podem ser “provocadas” por terceiros ou não; “provocadas” inadvertidamente ou não), mas  fiquemos só com as citadas.

 

Quanto aos “deslizes operacionais”, são claro, relativos à condução do maquinista e, evidentemente, podem acontecer sem distinção.

 

Na “descida de serra”, têm-se que “deslizes operacionais” podem, também, acontecer. Por exemplo, é o caso de o maquinista, dentro de uma específica situação, se “assustar” e aplicar muito freio aos vagões – sem necessidade… Se ocorrer e quiser corrigir, terá de considerar, sempre: o “pulmão do trem” é inflexível, bem como tudo no relativo a freio dos vagões segue a lógica do “ou oito ou oitenta”.

 

É bom que “interferências técnicas escondidas” não deem o ar de sua graça junto a algum “deslize operacional” nas “descidas de serra”. Se acontecerem juntas, por exemplo, num trem que se desloca em “situação rotineira” poderá causar sustos e… (CONTINUA)

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