“Um Fantasma no Trem” – Parte 15

 

 

(CONTINUAÇÃO) Tudo, do apelido, se dera porque os munícipes dali, em brincadeira, tratavam sua cidade por “capital do minério”… E, então, um na ferrovia falou “Mineriolândia” – e “pegou”. O extrativismo, com necessidade de uso de trens para o transporte, no entanto, não era coisa tão antiga; Havia uns vinte anos de exploração, apenas.

            Muito antes disso, porém, já estava ali a estrada de ferro com seus trens de passageiros e com poucos trens de outras cargas; a maioria só de “passagem”.

            E, se de “passagem”, é porque a linha férrea tinha prosseguimento, quando no sentido contrário a Lauriano… Sim, saindo de Mineriolândia, neste outro sentido, havia o ramal de conexão com importante “corredor de transporte” – de outros produtos, que não o minério de ferro. Constituía-se, por lá, um entroncamento ferroviário triplo – ficava a trinta quilômetros de Mineriolândia.

            No passado de Mineriolândia (que, então, Mineriolândia ainda não era) havia o movimento, dito normal, dos antigos trens de passageiros.  Quanto a trens cargueiros, exceto as cargas “de passagem”, o único movimento considerável fora em torno de uma antiga fábrica de cimento – que já não funcionava. Tal fábrica ficava próxima ao pátio ferroviário. Sua ligação com a ferrovia estava, também, desfeita… Apenas viam-se os velhos trilhos segurados por dormentes já imprestáveis que se dirigiam a ela. O pequeno ramal (tratado, ainda, por sua denominação antiga – ‘“rabicho’ da fábrica de cimento”) partia das proximidades de onde, agora, estava a estação ativa local – e já não tinha ligação com o pátio de manobras.

            Quanto ao pátio ferroviário de Mineriolândia, passara por ampliações e melhorias, na medida das necessidades operacionais. Para receber um movimento maior de trens, fizeram linhas novas e desprezaram algumas ligações antigas. Fora remodelado de maneira a “atender ao minério”. Recebera, também, outras instalações, inclusive uma pequena oficina de vagões (curiosamente, denominada “conserva”), usada apenas para reparos leves.

            No referente à edificação a qual se dá a denominação de estação ferroviária, em Mineriolândia havia duas: a “estação nova” e a “estação velha”… Evidentemente, uma ativa e a outra, já desativada. Com o início da exploração de minério, foi preciso construir uma estação nova. Da plataforma da “estação nova” via-se a “estação velha” – estavam distanciadas duzentos metros uma da outra.

            O local escolhido para a edificação da “estação nova” deu-se em função da “saída” para o ramal das carregadeiras – de minério de ferro. Tal ramal, portanto, teve sua bifurcação feita duzentos metros antes da “estação velha” – daí terem que edificar ali, naquele ponto de saída do ramal, uma nova estação. A saída para o ramal das carregadeiras, por sinal, ficou lado a lado com a antiga saída para o “rabicho da fábrica” – a linha que ia para a desativada fábrica de cimento – e, paralelos, percorriam por algum hectômetro, até que  guinavam-se, cada qual para um lado.

            Teve-se que construir uma nova estação, porque a antiga estação ficara, então, fora do “movimento do minério”… Daquela forma, pelo menos, ganhou-se um prédio novo e livrou-se do trambolho de aparência fantasmagórica que era a “estação velha”.

            O conjunto férreo (as duas estações, demais instalações e pátio de manobras) era apartado da parte principal da cidade (que já “vinha chegando” – por um lado).

            Conjunto férreo e conglomerado urbano principal eram separados, enfim, por um valo. Como o conjunto férreo estava  “no alto”, em relação à cidade, o movimento ferroviário podia ser “acompanhado” por parcela dos cidadãos.

            No mais, o pátio de Mineriolândia era longo e, naquela chegada a ele pelo lado de Lauriano, já se encontrava, então, uma “ponta” da cidade.

            O pátio, por longo e, de certa forma, por cortar uma “ponta” da cidade, influenciava, em parte, o cotidiano ali… Isso porque, principalmente, três vias eram cortadas por uma avenida urbana. Enfim, em Mineriolândia havia uma passagem de nível (travessia) pelo meio do pátio ferroviário. Havia, também, alguma passarela para pedestres e “mergulhões” para veículos – mas, a cidade crescia e estavam ficando insuficientes.

            De entre as três linhas que cruzavam a avenida, duas eram ditas estratégicas – a outra era de simples manobra. Estratégicas porque linhas de chegada e de saída do pátio – a exemplo de todas as outras linhas, tinham “nomes”. A de saída era a “direta do canto”; a de chegada era o “desvio dos bois” (eram nomes “herdados do passado”). Tais linhas eram paralelas entre si e bem mais longas que as outras, as de simples manobras, do pátio. Nas linhas estratégicas cabiam, em cada uma, dois “trens tipo”.

            Os “trens tipo” já alcançavam quase um quilômetro e meio de comprimento e, se cabiam dois destes trens nelas, sua “extensão útil” era de quase três quilômetros, portanto – daí influenciarem, bastante, no cotidiano da cidade.

            Estas duas linhas estratégicas do pátio de “Mineriolândia” eram comandadas pelo CCO/CTC. Elas direcionavam os trens diretamente ao ramal das carregadeiras (ou, assim, recebiam dele)… Sendo que, numa delas, em alguns pontos, havia evidentes ligações com o resto do pátio simples de manobras – que era, também, amplo.

            Para se ocupar o pátio simples de manobras (estacionar, percorrer ou manobrar nele), o comando ficava por conta da estação (agentes) – por comunicação com rádios transceptores/receptores. Enfim, era um só o pátio de Mineriolândia, mas de modo que trazia e impunha duas condições de “licenciamento” ou ocupação.

            Pois bem, cabiam dois trens, um engatado ao outro, em cada das duas linhas estratégicas do pátio, mas o termo “caber” era relativo ali (dependiam de “extensão útil”), afinal tratava-se de um pátio, também, de manobras – e não só de cruzamento.

            No mais, tinham, ali, um verdadeiro complicador. Tinham a já referida PN (passagem de nível) pelo meio do pátio. Ela abrangia três linhas paralelas; e “dividia”, ao meio, as duas linhas ditas estratégicas. Enfim, o pátio de Mineriolândia trazia complexidades extras, para as manobras ali executadas.

            Aquela “travessia” ao meio do pátio, nos idos tempos em que os trens eram mais curtos não era um complicador, porém, como os trens tiveram o tamanho aumentado, aumentara, também, as complexidades da operação ferroviária. No mais, ainda era satisfatório o pátio em si, afinal, “o serviço saía”.

            Os nomes que tomam linhas e adjacências na cena ferroviária facilitam os procedimentos e, até, podem induzir graça. Vêm de tradições – em Mineriolândia não era diferente. Por exemplo, “direta do canto” sempre fora a linha no extremo canto (em relação à estação) do pátio – havia sido estendida, mas, continuava “do canto”; Já o “desvio dos bois”, fazia referência à linha onde, no passado, estacionavam os “trens de bois” – para dar assistência aos animais, para que aguentassem as longas viagens… A PN do meio do pátio era nomeada “travessia do bode” – mas, fica para mais tarde a (longa) explicação.

            As duas linhas estratégicas eram paralelas; tornaram-se as mais longas do pátio e eram exclusivas ao trânsito dos trens de minério “formados” (tanto os a carregar, quanto os carregados)… Do “desvio dos bois” é que ramificavam as linhas de ligação ao pátio simples de manobras.

            Quanto ao pátio simples de manobras, ficava “abaixo” da travessia do meio do pátio (a “do bode”), portanto; mais por perto da estação, evidentemente. Compunha-se de diversas linhas em paralelo, não tão extensas quanto as  duas principais, mas, como já vimos, uma das vias chegava a alcançar a travessia do meio do pátio  (ao lado das duas vias principais). Essa era a via usada nas “manobras de recuo” – era a “linha de recuo”… A “manobra de recuo” se dava após as “manobras de retriagem”.

            As “manobras de retriagem” eram o ajuntamento de vagões vazios que iam sobrando de trens muito longos, com vagões liberados pela pequena oficina local (a “conserva”). Tal manobra era feita utilizando parte da linha estratégica “desvio dos bois”, afinal, ela não só era a linha de chegada ao pátio, como, também, era a  que ficava ligada, diretamente, ao pátio simples de manobras. As “manobras de retriagem” eram direcionadas para os lados da “estação velha”, e não em direção aonde tomariam rumo os trens – o ramal das carregadeiras… É que, naquela “ponta” repleta de chaves de manobra do “desvio dos bois”, não havia espaço suficiente para tais manobras, uma vez que ele ia desembocar (junto à outra linha estratégica – a “direta do canto”) no ramal das carregadeiras – e ele (o ramal) poderia estar ocupado por trens em trânsito (era comandado pelo CCO/CTC). E, quando nos recuos dessa manobra, utilizavam, enfim, a “linha de recuo” (a que ia, também, atingir a PN do meio do pátio).

            Então, após tais manobras de formação de trens (ou retriagem), feitas em direção à “estação velha”, tinham que executar uma “manobra de recuo”, de modo a direcioná-los para o referido ramal das carregadeiras… E, nesse recuo, executado na “linha de recuo”, os vagões da cauda iam atingir (e interromper) a PN do meio do pátio – somando-se a outras ocorrências, tal infortúnio.

            Quanto às outras instalações do pátio, tinham a “conserva” e tinham um “posto de abastecimento” de areia e Diesel – no caso do Diesel, era de pequena necessidade (era o caso, apenas, de se precisar abastecer locomotiva da manobra) e era feito, acertadamente, por um pequeno caminhão tanque – “particular”.

            Especificamente quanto à “travessia do bode”, era movimentada avenida que transpunha as três vias, já consideradas.  Ligava o centro da cidade a novos bairros e à rodovia principal dali. Quando era impedida por trens, os pedestres podiam recorrer a uma passarela que ficava a trinta metros dela; os veículos rodoviários podiam recorrer a um “mergulhão” que lhe ficava a cento e cinquenta metros.

            Ananias via o pátio e voltou para estação quando as luzes começaram, automaticamente, a acender. Começava a noite.

            Enquanto retornava, lembrou-se de Donadon. Poderia estar ali, em Mineriolândia, mas poderia, também, estar em sua cidade de morada – a que acolhia o núcleo Lauriano… Torcia para que logo acabassem suas férias; para poder se colar a ele, nas viagens em trens – queria saber mais sobre o maquinista “inventor da roda”.

Voltaria a Lauriano, então, junto à mesma dupla; Não queria “perdê-los”.

Porém, enquanto Madruga e Pedrada não se apresentam pra fazer a viagem de volta, tratemos de locomotivas – aproveitando a coisa da risada do maquinista Madruga.

A comparação de sua esquisita risada com certa esquisita “partida de motor de  locomotiva” não dizia respeito a toda e qualquer locomotiva, mas, sim a uma geração específica de locomotiva, afinal há diferenças entre elas.

Por sinal, não só há diferença entre locomotivas de fabricantes concorrentes como há, também, diferenças marcantes entre locomotivas de um mesmo fabricante (mesmo que estejam inseridas num mesmo “momento”).

A comparação da risada do sujeito era, especificamente, em relação às locomotivas EMD-GM que, consideraremos aqui, de Geração Nova – no caso da ferrovia que passava por Lauriano, tinham como exemplares, os modelos SD40-2… “A risada do maquinista Madruga era a versão humana da partida das SD40-2” – diziam os colegas.

Pois bem, SD40-2 são locomotivas  EMD-GM pertencentes à Geração Nova (aqui considerada). Elas possuem um sistema de arranque, ou de “partida” do motor, diferente do normalmente (e primordialmente) desenvolvido para locomotivas Diesel-elétricas. Têm, nesse quesito, um projeto diferenciado. Têm, digamos, um sistema “anormal” para dar partida do propulsor Diesel.

Da EMD-GM pode-se dizer, então, que tem locomotivas divididas em duas gerações: uma Geração Nova e uma Geração Antiga (o que se deu, também, com outros fabricantes).

Para facilitar, usarei, daqui pra frente, apenas a  sigla GM seguido de ‘Antiga’ ou ‘Nova’: GM Antiga; GM Nova (e quando aparecer GE, será, também, GE Antiga; GE Nova) .

Pois bem, a GM Nova (a do caso da risada do maquinista) não é nova porque passou a ter um sistema de partida de motor diferente… O sistema de partida usado da GM Antiga é que não tinha como ser aproveitado para equipar a GM Nova – que, então, teve que receber diferente (e “curioso”) sistema de partida.

Antes de continuar com os modos de partida de motor, tratemos sobre fabricantes e “gerações” de locomotivas.

Os principais fabricantes (e criadores) de locomotivas Diesel-elétricas são os EUA; os americanos. E essas locomotivas sempre estiveram, em maioria absoluta, nas ferrovias brasileiras. Havia três fabricantes principais na América do Norte: a GM – General Motors e seu departamento específico para locomotivas, a Eletro Motive Division (EMD); a GE – General Eletric; a MLW – Montreal Locomotive Works.

São locomotivas oriundas dos EUA e Canadá, com fábricas licenciadas em outros lugares do mundo.

A certa altura da história desses fabricantes de locomotivas, a GE incorporou a MLW… Por sinal são equipamentos que sempre foram “compatíveis”. Sempre usaram equipamentos elétricos em comum e motor Diesel de mesma “orientação”.

Se MLW foi incorporada à GE, fica valendo, neste tópico abordado, daqui para frente: MLW só aparecerá entre parênteses, enquanto que, com relação a GE e seu concorrente direto, a EMD-GM, serão tratadas mais diretamente.

Pois bem, GE e EMD-GM, totalmente  incompatíveis entre si, possuem sistemas elétricos específicos e usam motor Diesel de “orientação” diferente… A GE sempre usou motor Ciclo 4 Tempos, enquanto que, a EMD-GM, sempre usou seu tradicional motor Ciclo 2 Tempos.

A incompatibilidade entre EMD-GM e GE é total. É algo como a incompatibilidade entre Macintosh/Apple e PC/Windows…

Melhor, é algo mais para a diferença entre o americano “Projeto Apollo” e o “Programa Espacial Soviético”… Desde que tivessem criado uma escotilha em comum, para acoplamento de naves lá na estratosfera. Mais ou menos isso.

E é isso o que se dá entre os fabricantes concorrentes em locomotivas: tem sistemas diferentes, mas podem se conectar para trabalhar em conjunto (e é isso o que importa às ferrovias).

E, pois bem, tanto EMD-GM quanto GE foram modernizando suas locomotivas Diesel-elétricas e, a certo ponto, mudaram o tipo de energia elétrica de alta voltagem e tensão com que trabalhavam… Deixaram de utilizar “Geradores Mestre” (fornecedores de Corrente Contínua) e passaram a utilizar “Alternadores de Força” (fornecedores de Corrente Alternada).

Essa modernização foi parcial em ambas, mas fundamental.

Foi parcial, porque passaram a utilizar Corrente Alternada apenas no “fornecimento” de energia para tração (e isso se deu com o emprego de Alternadores de Força). Quanto ao “consumo” (feito pelos motores elétricos de tração nas rodas), continuou sendo fornecida a velha Corrente Contínua, de modo que as locomotivas passaram, então, a portar “painéis retificadores” – retificadores de  corrente elétrica, portanto.

Foi fundamental porque deram um primeiro passo em direção à utilização de Corrente Alternada em totalidade – que tornaria os motores elétricos de tração nas rodas, também, “consumidores” de Corrente Alternada (o que já é possível atualmente).

 Mas, pois bem, aquela “modernização parcial” do passado é que nos remeterá, aqui, a separar Geração Nova de Geração Antiga – de locomotivas: o momento em que saíram os Geradores Mestre e entraram os Alternadores de Força.

Portanto (e complementando), também as GE aparecerão (a exemplo das GM), daqui pra frente, como GE Nova e GE Antiga. Continuando.

Poderia logo falar da partida de motor “anormal” da GM Nova SD40-2, (que era a “versão mecânica” da risada do maquinista Madruga), mas, para falar de algo “anormal” é preciso, antes, para “alicerçar”, falar do seu opoente, o normal… Vamos, antes de tratar do sistema “anormal” de partida de motor, falar do sistema normal.

  O sistema normal de arranque (ou partida) de motor (Diesel) de locomotiva Diesel-elétrica é o sistema onde, quem faz o papel de “motor de arranque”, são os próprios Geradores que ela possui (lembremos que geradores produzem  corrente- contínua).

No sistema normal, empregado na GM Antiga, quem dá partida ao motor é o próprio “Gerador Mestre” (com “campo” específico para a função) – em função secundária, então.

Na GE Antiga, também possuidora de Gerador Mestre, quem dá partida ao motor, no entanto, são mesmo os geradores auxiliares (os mesmos pequenos geradores que carregam as baterias de acumuladores) – portanto um sistema, também, normal (em se tratando de locomotivas).

Esse sistema de partida (ou arranque) de motor dito normal para locomotivas é dito aqui normal por ter sido o primordial, o originário – a todas as locomotivas EMD-GM, GE (e MLW)… Chegou-se a ele aproveitando as características eletromecânicas da locomotiva, de modo a não ser preciso criar sistemas – de partida – alheios; Visando a não aumentar o número de acessórios e peças envolvidas.

Sendo assim, os fabricantes aproveitaram equipamentos indispensáveis à locomotiva, para fazer a função de partida do motor – como função secundária, então.

E, cada uma a seu jeito: A GE (e MLW) utilizando geradores auxiliares; a EMD-GM utilizando o próprio Gerador Mestre.

Criaram, então, similarmente, um sistema de partida de motor que era diretamente ligado ao motor; já “arrastado” pelo próprio motor – acoplado a ele, sem “folga” alguma.

Ora, Geradores Mestre são ligados diretamente ao virabrequim do motor Diesel e a GM Antiga, então, se beneficiou diretamente disso. Quanto às GE (e MLW), geradores auxiliares são, desde sempre, ligados ao motor Diesel, por meio de engrenagens que não se desconectam dele em momento algum.

 Tem-se, então, que esse sistema normal de partida de motor de locomotiva proporciona uma “partida educada”; tudo “roda junto”, sem interferência de equipamentos auxiliares, digamos.

Quando na partida do motor, no caso da GE Antiga (e MLW), escuta-se apenas um abafado “fechamento de contatores elétricos”, seguido de e um início de giro comportado do motor Diesel, que segue num crescendo de combustão, sem maiores surpresas.

No caso da GM Antiga, a coisa começa suave que chega a lembrar  um dedilhar de cordas de violão, em notas que evoluem educadamente em contido elevar de ruído, até que se tornam complexas e faz entrar em cena, enfim, a orquestra sinfônica completa.

Nos dois casos, então, o sistema de partida do motor faz seu trabalho, mas não se desacopla quando o motor Diesel dá o ar de sua graça… Apenas deixam de proporcionar partida ao passarem a ser rodados pelo motor, então em funcionamento.

Pois bem, termina aqui, por esgotamento de recursos poéticos, a explicação da “partida suave” de locomotivas.

Mas, voltemos, ainda, a falar dos fabricantes – pra se conseguir chegar sem atropelos à explicação da esquisita partida de motor “anormal” da(s) locomotiva(s) GM Nova(s).

Pois bem, os fabricantes modernizaram suas locomotivas. Ambos começaram a deixar de lado a Corrente Contínua e utilizar, em parte, Corrente Alternada – para tração.

Ambos criaram uma geração nova de locomotivas.

A GE seguiu tranquila com sua Geração Nova. Passou a usar Alternadores de Força para produzir corrente elétrica para tração e pode manter inalterado seu sistema de partida do motor Diesel. Ora, continuou com o sistema de partida  que se dava em sua Geração Antiga. Continuou fazendo uso de seus geradores auxiliares para a função primária de fornecer energia elétrica de baixa voltagem para os sistemas e a função secundária (“em carona”) de dar partida ao motor Diesel – não precisou mudar, em “nadica de nada”, o sistema de partida de seus motores.

Mas, ora, a EMD-GM para modernizar-se, viu-se, então, numa verdadeira enrascada – sua Geração Nova tinha um empecilho extra a resolver. Seu Alternador de Força não poderia dar partida ao motor Diesel (Alternador algum tem como possuir “campo de partida”)… A EMD-GM perdeu, então, seu cômodo e eficiente método de dar partida ao motor Diesel – fazia-o, como vimos em sua Geração Antiga de locomotivas, utilizando um “campo” dentro do Gerador Mestre.

 A EMD-GM teve, então, que mudar seu sistema de partida ao motor Diesel, uma vez que não havia como continuar usando, em função secundária, seu novo fornecedor de corrente elétrica para tração – o Alternador de Força.

Então, o que fez a GM-EMD para viabilizar sua Geração Nova de locomotivas, uma vez que Alternador de Força não tem “campo” para partida do motor (a exemplo do velho Gerador Mestre)?

Ora, adotou, por incrível que possa parecer, o mesmo tipo de partida que tem o automóvel ou caminhão.

Sim, o fenomenal motor Diesel GM Ciclo 2 Tempos passou a ser mais “exótico” ainda, com essa partida “anormal” – para locomotivas.

E é onde me propus chegar: explicar que dar partida ao motor de uma GM Nova é como dar partida ao motor de um automóvel ou caminhão (e, daí, ter acontecido a coincidência de certa risada lembrar o procedimento)… Mas, complementemos.

A GM-EMD desenvolveu um motor de partida elétrico (na verdade dois, que trabalham em conjunto) exclusivamente para dar partida ao seu tradicional motor (o de Ciclo 2 Tempos). Daí que achei de dizer que o sistema é “anormal” em se tratando de locomotivas – por ter se desviado do original; por ter ficado tão distante da lógica do processo primordial.

E como é mesmo o sistema de partida do automóvel e caminhão (e da GM Nova, então)? Melhor, como é mesmo a coisa do motor de arranque tradicional?

É um acessório totalmente “alheio” ao motor. Ele faz a sua parte e “sai do sistema”… De tal sorte que, no automóvel ou caminhão, se você “segurar” a chave depois que o motor pegar, você dana com tudo – a locomotiva (GM Nova) é protegida quanto a essa incorreção.

Portanto, o sistema de partida do automóvel, caminhão e da locomotiva GM Nova é um sistema de partida “com folgas” – não é intimamente ligado ao motor (apenas vai “toca-lo” num determinado instante).

Por tudo isso, a partida de motor de um automóvel, por exemplo, não é uma coisa exatamente “delicada”… Lembremos que é escandalosa, a tal ponto, que o aprendiz de motorista sempre se assusta quando dá a partida ao motor (quando escuta o “estalo”) – e, às vezes, até “solta” a chave. O “estalo” vem do impacto do “motor de arranque” já entrando em potente rotação ao encontrar, totalmente parado, o motor – e terá que movimentá-lo.

Mais intimamente, nesses sistemas de partida, o barulho se dá quando a “engrenagem pinhão” do motor de arranque, “solicitada” de seu repouso vai de súbito encontro à cremalheira dentada do volante do motor, fazendo o “entrosamento”. Entrosamento, nesse caso, é o impacto de alto giro inicial que a “engrenagem pinhão” aplica subitamente ao motor parado. Um violento impacto de movimento rotatório, de tal forma – e até – que o motor passe a funcionar por seus próprios meios.

Então, no automóvel, o processo de partida é rápido. Depois do “beliscão” (na chave), vem o estalo e o giro aplicado ao motor. No instante seguinte, vem o imediato (desejável) início de funcionamento.

 Ora, se em um automóvel a coisa já é abrutalhada,  em um caminhão tem-se uma indelicadeza em dobro… Agora sim, dá pra ter uma ideia do que acontece na GM Nova (consideradas aqui). Elas possuem dois enormes “motores de arranque”, ambos tão longos quanto um pé de mesa e de mais diâmetro que uma bexiga de salame – os quais são inquiridos a funcionar a  um mesmo tempo.

A GM Nova lança, então, dois “pinhões” altamente energizados que vão contra a cremalheira, parada, então, de seu enorme motor Diesel de Ciclo 2 Tempos. O “estalo”, em meio ao atrito no “entrosamento” entre “pinhão e cremalheira”, bem como o momento em que o motor “pega” acelerado, vai provocar o “escândalo”… Não bastasse, vem ainda a coisa toda de um singular turbo alimentador, que é inquirido a rodar ao mesmo tempo (o que veremos daqui a pouco).

Mas, por que a “opção” por “motor de arranque” tradicional? Por que cargas d’água a EMD-GM não passou a usar (a exemplo da GE) seus geradores auxiliares na função partida do motor Diesel?

Não meditarei quanto à resposta, apenas “chutarei”. Talvez seja em razão da “orientação” de seu tradicional tipo de motor Diesel, o “GM” Ciclo 2 Tempos… Não aprofundarei em motores, mas dá a entender que geradores/motores elétricos pequenos não teriam amperagem suficiente para proporcionar partida aos motores Diesel GM. Ora, a “orientação” Ciclo 2 Tempos proporciona motores de menos peso bruto, sim, porém são motores que trabalham sempre “comprimindo” – sem “descanso” – portanto motores “pesados” de “aplicar giro”… No motor Ciclo 2 Tempos, quando os êmbolos do motor caminham para o “ponto morto superior”, vão, sempre, executar o pesado Tempo de Compressão.

O contrário se dá nos motores de “orientação” Ciclo 4 Tempos (de uso GE). Neste caso os êmbolos do motor tem um ida “leve” – o Tempo de Descarga – ao “ponto morto superior”, intercalada com a ida  no Tempo de Compressão – portanto é um motor menos pesado de “aplicar giro”… Daí a GE nunca ter tido dificuldades com partida do motor Diesel ao utilizar geradores pequenos.

E, ainda (para maior drama da EMD-GM), tem que se levar em conta que, no ato da partida do motor Diesel, em qualquer fabricante (àquele tempo), tudo na locomotiva se movimentava. Rodavam,  juntos, o pesado compressor de ar e enormes ventiladores de arrefecimento (mesmo que estaticamente, estes últimos)… Fica, então, a impressão que pequenos geradores auxiliares não seriam suficientes pra aguentar o tranco, se colocados a trabalhar como motores elétricos de partida do tradicional motor Diesel ciclo 2 Tempos EMD-GM.

Mas ainda não era só isso. Quando a EMD-GM criou sua Geração Nova (cuja “cereja do bolo” foi o emprego de Alternadores de Força), teve que dar mais potência ao seu tradicional motor Diesel. Fez isso não só aumentando a cilindrada, como instalando um turbo alimentador de ar – no tradicional motor Ciclo 2 Tempos (anteriormente o extraordinário motor tinha versão apenas “normalmente aspirado”).

Para fazer funcionar um turbo alimentador no motor Ciclo 2 tempos, a EMD-GM teve que criar um singular arranjo, em que a parafernália toda já teria que ser arrastada aos primeiros movimentos de partida do motor Diesel. Criou um sistema em que o turbo já entrava em cena rodando, porque acoplado mecanicamente ao motor Diesel

Portanto, mais um peso que teria que ser arrastado, caso “optassem” por tentar manter normal, sem acessório “alheio” (no caso, passando a utilizar pequenos geradores auxiliares) o sistema de partida do motor Diesel – não era possível.

Não vou aqui meditar profundamente por qual motivo os motores EMD-GM Ciclo 2 Tempos não puderam receber turbo alimentadores tradicionais (turbo alimentadores tradicionais não são acoplados mecanicamente ao motor – rodam livre, apenas impulsionados pelos gases do escapamento), mas é possível deduzir que um turbo tradicional, por ficar parado em baixas rotações,  atrapalharia o funcionamento do motor Ciclo 2 Tempos.

Ora, por não ter um específico Tempo de Admissão (de ar), o motor Ciclo 2 Tempos EMD-GM certamente seria “afogado” pelo turbo tradicional quando em baixas rotações… Então, EMD-GM desenvolveu um turbo que roda já aos primeiros giros na partida – portanto, um turbo que deixa mais pesado o “arranque de motor”.

Evidentemente, em altas rotações, tal singular turbo EMD-GM se desacopla do motor e roda a contento – e quando a rotação do motor cai, ele passa a ser “arrastado” (arrastado, por sinal, por um sistema de correntes – tudo, tal qual se dá em bicicletas).

Espero que tenha ficado entendido que é “anormal” locomotivas  gigantes terem sistema de partida de motor semelhante ao de um automóvel… “anormal” e fantástico.

Pois bem, ao “maluco por trem”, mesmo que não entenda minuciosamente o imbróglio, “sentir” essas diferenças existentes dentro do mundo ferroviário é algo muito significativo… Voltemos à dupla do barulho.

No começo da noite, Madruga e Pedrada se apresentaram na estação de Mineriolândia – para fazer o trem de retorno à sua sede, Lauriano. Estavam com cara que passaram o dia todo – por sinal, nublado – dormindo, e exalavam a sabonete caro.

O agente passou-lhes, então, uma terrível (e temível) notícia. O trem que fariam ainda estava sendo carregado e eles teriam que ir para as carregadeiras para, justamente, terminar o carregamento de seu trem… Não gostavam daquilo. O ideal era, por lá, receberem o trem já pronto para circular.

E tomaram a condução rodoviária para as carregadeiras – Ananias “deu seus pulos” para acompanhar. Quando tomavam o automóvel, começava uma chuva fraca e um trem carregado já dava as caras no pátio – vindo pelo ramal das carregadeiras. Passou acelerado pela estação; Tinha sinal verde para prosseguir – esta, uma situação, também, sempre desejada pelos maquinistas. (CONTINUA)

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