Um Fantasma no Trem – Parte 11

 

 

(CONTINUAÇÃO) …comprimido ‘geral direto’ para os vagões e eles, “invertendo a lógica” (um sistema “desperta” o outro) passaram a soltar seus freios… O “pulmão do trem”, enfim, fazia equalizar o sistema todo,  dentro da fase requerida pelo maquinista.

Em alguns segundos, o trem iniciou movimento, afinal, estavam em rampa, todos os vagões. Ato contínuo, o condutor entrou com o freio dinâmico e os motores tiveram sua rotação elevada (os motores Diesel, no entanto, não fariam trabalho algum de “força de tração” a partir dali, mas continuariam exercendo importantes funções secundárias, e uma delas era, por meio de uma rotação mais alta que a de “marcha lenta”, “excitar” geradores elétricos que passariam a trabalhar para possibilitar o freio dinâmico. Outra função do motor em descidas é manter rodando, “mais acelerados”, os compressores de ar).

 E, assim, as quase dezesseis mil toneladas de carga, distribuídas por sobre um quilometro e meio de rodas – que era o peso e comprimento do trem – já se deslocava por ação da gravidade… Visando sempre a coletar uma corrente de ar menos aquecida, “cabelo de cortina” havia “calçado”, aberta, a porta dianteira da cabine; “nariz de pimentão”, demonstrando tranquilidade, achou jeito de cruzar as pernas, posicionando-se meio que de lado ao banco do maquinista.

Ananias, que era “ligado” e a tudo observa, viu que, de fato, não mais conversaram sobre o modo em que entrariam com o trem pelo declive/abismo afora. Tudo indicava que – parece que em certo “consenso telepático” – partiriam dali mesmo, sem paradas mais… Ao menos, já operavam o trem de maneira a possibilitar o “recarregamento de ar” em movimento. Sim, confiavam em si e poderiam levar o trem para o declive/abismo da maneira que apenas lhes exigiria um pouco mais de “precisão”.

E a marcha do trem, iniciou-se de maneira pouco conturbada (sem arrancos consideráveis), mas deu-se mais acelerada do que contavam; Tomava embalo rápido. No entanto, não precisavam apavorar-se; tudo se resolveria pelas leis da física. A velocidade de entrada no balanço, de fato, bateu rápido em 25 quilômetros por hora e tendia a subir. Mas a influência progressiva do balanço, aliada à ação freio dinâmico, não tardaria a conter aquele contratempo inicial. Percebia-se que o motivo do embalo se dera, em razão do freio dinâmico se apresentar “com preguiça”, a princípio… Ficaram aguardando a evidente “acomodação” que se daria.

Claro que, enquanto atuavam as efetivas leis da física sobre o trem em efetivo movimento, poderiam contar com arrancos e/ou pancadas… E um primeiro tranco veio em forma de “empurrão”. Porção dos vagões “de trás”, fortemente sob ação da mudança de situação da linha e, certamente, formando blocos longos de para-choques “encolhidos”, aplicaram um fantástico “chute” nas locomotivas… Foi tal o empurrão que os extintores de incêndio quase se soltaram de suas correntes.

Seguidamente, enquanto a velocidade pulou para 30 quilômetros por hora, o freio dinâmico, que estava com a alavanca em curso máximo, mas sem atuar a contento, deu as caras e ofereceu forte resistência ao deslocamento e “estacou” as locomotivas (contra uma composição que se deslocava livre)… A velocidade voltou abruptamente para 25 quilômetros por hora e o resultado de tal abrupto “encolhimento” foi um arranco mais forte que o primeiro, e que fez com que um dos extintores de incêndio rompesse suas amarras e rolasse pela cabine, entre as bolsas – correram a acudir.

Pancadas e “empurrões”, bem como “chutes” e repuxos são coisas relativas a trens. Às vezes, não dá para evitá-los. Não há maquinista “mãos de seda” o suficiente, perante um trem de ferro em movimento se moldando às leis da física (principalmente em operações não rotineiras). O trem ocupa o espaço por sobre a via férrea “obedecendo” a força da gravidade e a outras forças a ele impostas; Sendo assim, vai tender a fazer o que quiser… Claro que o maquinista usará freios e tração para apenas tentar minimizar os choques provenientes disso.

Trem em movimento, iniciando ocupação do balanço e a parte da frente dos vagões já se “escoravam” nas locomotivas em freio dinâmico, enquanto os vagões de trás, com rodas livres e grande parte ainda percorrendo o declive iam, aos poucos, juntar-se a essa parte da frente; Nesse ínterim, a velocidade foi novamente para algo próximo a 30 quilômetros por hora… Sendo assim, o trem consumia muito do balanço. Aquilo não vinha lhes deixando felizes, afinal contavam com velocidade mais baixa, desde o princípio – para, enfim, “recarregar” a contento o sistema de ar de freios dos vagões (processo que estava em andamento, uma vez que os freios foram “soltos”).

O fato é que, numa operação rotineira, qualquer “gracinha” do trem passa despercebida. Não ali, que dependiam de cada metro de linha. Aguardavam “acomodação” e olhavam fixos à frente, lamentando cada metro percorrido – que significava cada metro já perdido do balanço… Como a “acomodação” demorava e em instantes poderiam perder “tecnicamente” a metade do balanço, solicitaram freios aos vagões (o comando estava por conta de apenas um deles, mas, como vimos, faziam as coisas como que combinadas por telepatia – conheciam tudo de maneira igual e não precisavam combinar procedimentos óbvios).

Pois bem, solicitaram freios aos vagões. Fizeram uma “aplicação básica” e ela interrompeu o “recarregamento” de ar de freios dos vagões que estava em curso – por sinal um recarregamento que seria demorado, naturalmente. Sendo assim, fizeram com que o “pulmão do trem” passasse a desempenhar outra função, antes de terminar a que vinha executando. Mas, se o fizeram era porque, a partir dali, poderiam, afinal, passar a considerar a opção parada com o trem todo por “sobre o balanço” – aquela segunda opção, que não exigiria tanta “precisão”…  Em todo caso, se solicitaram freios aos vagões com o trem já ocupando a segunda metade do balanço (a mais influente, porque de levíssima rampa invertida) o trem já iria perder velocidade a seguir – assim se daria.

E o trem, com freio dinâmico “amperando bem”, sob  influência progressiva do balanço e com a “aplicação básica” de freios dos vagões já atuando, em poucos hectômetros já passava por uma desaceleração abrupta.

Após aquela aplicação de freios aos vagões, houve um relativo “puxão para trás” nas locomotivas, as quais só não o “absorveram com violência” porque o freio dinâmico realmente se estabelecera e fizera evitar um estiramento mais severo… E, tudo somado, fez com que o trem passasse a uma velocidade baixa; lenta o suficiente para o que precisavam. Tão lenta que – sabiam – se mantidas todas as “forças de reverso” que impunham a ele, estaria parado em instantes. Sendo assim, já poderiam “soltar” o freio dos vagões (e reiniciar logo o “recarregamento” de ar)… E soltaram, então, o freio dos vagões.

Tão logo puseram a “alavanca graduada” em posição de “trem em marcha”, os ponteiros dos manômetros de ar comprimido tremularam e indicaram que as rodas dos cento e trinta e oito vagões estariam, em alguns instantes, novamente livres da força de atrito das sapatas de freio. Indicaram, também, que cada um deles ficara com “ar baixo” – em razão, então, de dois solicitados “recarregamentos” próximos entre si… Indicaram, enfim, que o “pulmão do trem” iniciara, novamente, uma “inspiração”. Forneceria, novamente, ar comprimido a cada válvula e reservatório de todos os cento e trinta e oito pesados vagões.

E o trem, respeitando a ação das forças impostas a ele, passou a seguir lento, com as locomotivas já ocupando a segunda metade do balanço. O freio dinâmico se tornou um estorvo e já podia ser “retirado”… E teria que ser de “modo criterioso” ou, então, provocariam mais trancos no trem – conhecedores da situação operaram com acerto, retirando o freio dinâmico sem trancos. O trem, no entanto, ainda seguia muito lento. Seguia, assim, por influência de um impulso residual, aliado ao fato de algumas dezenas de vagões ainda estarem a percorrer o declive e a forçar marcha sobre a frente do trem, que já estava totalmente no balanço.

Deixaram-no seguir daquela maneira lenta; era o que queriam, afinal – dar tempo ao “pulmão do trem” de inspirar; dar tempo de se executar o ciclo de “recarregamento” do sistema de freios dos vagões, porque precisariam de freios eficientes pouco à frente, no declive/abismo.

O CCO arranhava no rádio e tudo indicava que era com eles… Sabendo da chance de não serem compreendidos, procuraram não responder.

O que tinham que fazer era não se desligar do trem, e acompanhavam seu lento deslocar com satisfação… E, ainda, teriam dali a pouco a opção de parar o trem por sobre o balanço – se considerassem necessário.

E o trem seguia “irritantemente” devagar. Chegou a marcar algo como cinco  quilômetros por hora. Não admiraria ao mais impaciente, se o condutor solicitasse às locomotivas ao menos um “puxãozinho” à frente; ao menos um “ponto” em “tração”… Mas aqueles mantiveram, profissionalmente, a paciência necessária.

Observe-se que, aquele trem, naquele ponto da linha – naquela posição em relação ao balanço – caso fosse imobilizado (caso fossem utilizar aquela segunda opção), para que fosse movimentado, teria que ser “tracionado”.

Pois bem, lentamente iam e olhavam à frente, parece que aguardando para ver a embocadura do “túnel grande” – que já se começava a descortinar sua ampla alvenaria de acabamento (que era “extensiva” também ao túnel paralelo – na Linha 1 – apesar de serem túneis separados). Duzentos metros antes das entradas deles, iniciava-se o declive/abismo.

 E ficava cada vez mais claro (também a Ananias) que optaram (mesmo com o contratempo que houve) por fazer o “recarregamento” do sistema de ar dos freios dos vagões apenas com o trem se deslocando lentamente por sobre o balanço; Tudo indicava que não iam fazer a parada opcional. Tudo indicava que consideravam aquele tempo que tiveram, somado ao tempo que ainda tinham de deslocamento lento à frente, como suficientes para a inspiração de ar que estava em pleno andamento, pelo “pulmão do trem”.

E seguiram. Confiavam que fariam tudo com a “precisão” – operacional – exigida, afinal, o trem seguia bastante lento.

Pois bem, as locomotivas alcançaram o início do declive/abismo e o condutor entrou com o freio dinâmico o mais rápido que pode e avançou em sua zona de ação. As máquinas “encolheram” e Ananias os viu se preparar – de olhos arregalados – para mais um tranco… que  não aconteceu. Tudo se deu de maneira suave. Os dínamos nas rodas começaram a gemer, mandando energia para as “grades de dissipação” e os ventiladores começaram a arrefecê-las… Os maquinistas acompanhavam o que se dava na primeira locomotiva e sentiam o que, em tese, estaria se dando nas outras.

Antes mesmo de adentrar o túnel, as cinco brutas já faziam um único bloco de frenagem e, a si mesmas, já seguravam no início do declive/abismo… Em seguida, veio o primeiro vagão e se escorou nelas. O baú carregado de minério de ferro tinha peso total de mais de cem toneladas e, livres, trazia as rodas. Rodas acopladas a rolamentos lubrificados e hermeticamente fechados, para facilitar o seu deslocamento. Seu complexo sistema de freios a ar comprimido ainda não exatamente estava pronto para receber frenagem…  mas, por outra, ainda não era momento de lhe solicitarem frenagem.

E, prosseguindo, as locomotivas receberam sobre si o segundo vagão; depois o terceiro, depois o quarto… E, assim, ininterrupta e consecutivamente.

O trem ia de encontro ao “túnel grande” na Linha 2 e, num dado momento, ficou exatamente de frente ao “túnel grande” da paralela Linha 1. Lá, nas profundezas dele, um ponto mínimo de luz oscilava e, provavelmente, avançava – outro trem vinha subindo a serra… O bocó do Ananias já lamentava pelo fato de não poder vê-lo despontar do túnel – afinal, mergulhariam antes na escuridão do outro.

E Ananias, vendo à frente tão horrenda boca de túnel que os acolheria, a princípio pareceu-lhe que as locomotivas esbarrariam pelas beiradas dele; O “túnel grande”, tanto o da Linha 1 quanto o da Linha 2, eram estreitos. Ambos, que eram os maiores daquela rota, mediam quase três quilômetros de extensão.

Quanto aos maquinistas, ocorria um incômodo silêncio naqueles últimos momentos de sol. Segundos antes de o trem mergulhar no túnel, Ananias olhou para os dois. O de “cabelo de cortina” estava sentado corretamente, com as longas e magras pernas entreabertas, com os pés apoiados de prancha no assoalho e com os braços cruzados; Olhava fixo à frente e via-se que os olhos ficaram mais fundos de hora para outra. Alguém mais observador que o tivesse visto no começo da viagem talvez suspeitasse que estivesse iniciando nele um processo de desidratação… Quanto a “nariz de pimentão” estava ao comando e estava aceso. Comportava-se de modo quase tenso, afinal trocava muito de posição ao banco enquanto vigiava os manômetros de ar de freios em geral… Não estava mais tão rubro como antes; tomara um tom meio amarelado (o próprio nariz apresentava-se “sem cor”).

E, enfim, o túnel interrompeu a tudo; a cabine foi ficando cada vez mais escura e a retina dos  olhos iam sendo atraídas pelo facho do farol que tentava clarear as paredes internas,  pretejadas de fumaça… No último momento ainda às claras, “nariz” chegou a fazer sinais de positivo a “cabelo” – que não se dera ao trabalho de olhar.

E o trem seguia lento, aumentava a velocidade sim, mas quase que imperceptivelmente. O freio dinâmico apresentava-se atuante e ia fazendo encolher os para-choques dos vagões na medida em que deixavam a influência do balanço e tomavam o declive/abismo.

Os para-choques encolhiam uma a um, mas formavam um bloco cada vez maior em cima das locomotivas.

 E, se a cada vagão acrescentado, o bloco aumentava de tamanho, a velocidade subia um ponto no velocímetro. Como o conjunto era cada vez maior, o aumento de velocidade também passava por progressão. Já pulava de dois em dois pontos, indicando que não demoraria a pular, de três em três pontos.

No longo túnel, onde se iniciava o declive/abismo, estavam mergulhados com uma montanha de peso sobre rodas, não ainda totalmente influentes, mas progredindo, e com apenas o freio dinâmico a atenuar o ímpeto de embalo.

O trem já se desenvolvia com o ponteiro do velocímetro tremulando algo entre 21 e 24 quilômetros por hora quando “se deram conta”… Sabiam que não tinham ainda pressão ideal de ar comprimido para eficiente frenagem dos vagões e que nos instantes seguintes a velocidade aumentaria mais.

Um trem tem de receber freios antes que embale, ora. Tem de receber freios antes que se inclua consideravelmente no declive.

 Demarcaram que o ponto X em que precisariam dos freios dos vagões seria quando o trem tivesse tomado uns quinhentos metros de declive… No ponto X deveriam aplicar os freios dos vagões e eles teriam que estar prontos para uso. Contavam  com velocidade baixa até chegar a ele. No entanto, tal marca já não estava tão longe e a velocidade aumentava gradativamente…  O ponto X vinha chegando antes da hora desejada.

Ananias via suas silhuetas (o facho de luz do farol, logo acima dos para-brisas frontais fazia clarear um pouco a cabine): “cabelo de cortina” não mudara sua posição anterior; parecia “soldado” ao seu banco. Por sinal, a porta frontal da cabine continuava aberta (ainda calçada ou já apenas “dependurada” em razão da declividade da linha) e ele estava endurecido a ponto de não poder ir buscá-la. Por sua vez, a cabine já tragava muito, então, do ar frio da noite eterna do túnel e a mudança de temperatura já fazia causar arrepios.

Quanto a “nariz de pimentão”, vinha experimentando diversas posições sobre seu banco; passava por alguma coisa como que “meio em pé, meio sentado”; tinha um joelho sobre o assento, uma perna apoiada no chão e a cara quase colada ao seu para- brisas… Coube a ele ir e fechar a porta frontal. Foi mais porque se preocupou com a múmia. Era forte tal que brisa fria alguma o incomodaria a princípio.  Voltou rápido; em nada no comando tocou, a princípio.

Tinham que adiar a aplicação de freios aos vagões o máximo que pudessem. Tinham que dar tempo de o “pulmão do trem” inspirar mais ar. E “nariz de pimentão” olhou o velocímetro e viu que já estavam a  30 quilômetros por hora. Naquele momento, suas mentes, provavelmente se ocuparam de lembrar-lhes que mais de um terço da composição já se escorava nas locomotivas… mas  tinham, “no ar”, algo como uma certa esperança – de tempo contado, ao menos.

É que o freio dinâmico estava urrando forte. Naquela velocidade dá-se a resistência máxima de sua ação bem como o seu estrondado maior – acima daquela velocidade, declina-se a ação e o estrondar. Uma vez que estavam dentro do túnel, aquele barulho de dínamos gemendo, motores elétricos dos ventiladores rodando se sobressaia muito ao resto. Não se ouvia os motores, não se ouvia a refrega nos trilhos.

O que não poderia, então, era o velocímetro marcar, muito já, algo além de 30 quilômetros por hora… mas logo marcou. Observado por um estarrecido maquinista, o ponteiro alcançou algo próximo a 35 quilômetros por hora… e subia.

Ananias percebeu que “nariz de pimentão” fizera um gesto (quase imperceptível) de chamar o outro; Mas o outro já tinha mesmo se estabelecido como múmia.

Ato seguinte, “nariz de pimentão” deitou mão à alavanca graduada – aplicou freios aos vagões.

 Tirou-a da posição “trem em marcha”, passou direto pela posição de “aplicação básica”, passou direto pelo “setor de avanço na aplicação”, alcançando logo a posição de “aplicação total”. Deu logo o que pode de freios aos vagões… tudo  num só tapa.

Uma “aplicação total”, em condições normais, é feita quando se visa a imobilizar o trem. No entanto, se já tinham, os vagões, ar comprimido suficiente para obedecer a “aplicação total”, era outro caso; Se o “pulmão do trem” estava preparado para fazer uma “expiração” eficiente por todo o trem de um quilômetro e meio de extensão, era outro caso… O fato era que o “pulmão do trem” fora solicitado para interromper um ciclo e iniciar outro. Fora solicitado para aplicar freios aos vagões e, assim, interrompeu o recarregamento – não poderia fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Por sua vez, aquela “aplicação total” teria que ser ruidosa a ponto de fazê-los, de novo, apertar o protetor auricular contra os ouvidos. No entanto, não mostrou-se potente; mostrou-se apenas de mesma intensidade que uma “aplicação básica”.

Feita a “aplicação total”, nada falaram, nem se olharam, mas um sabia o que a alma do outro aguardava de confortador: um saudável “puxão pra trás” – nas locomotivas.

Mas não se deu.

 

Prolongaram o quanto puderam aquele instante de expectativa, mas o que se dava era o contrário. As locomotivas pareciam (e eram), cada vez mais, empurradas à frente. O ponteiro do velocímetro já passava pela marca dos 45 quilômetros por hora enquanto que o barulho do freio dinâmico ia diminuindo cada vez mais.

 

Pois bem, freios dos vagões requisitados em totalidade, e as paredes do túnel cada vez mais rápidas… o “condutor” deixou de olhar o velocímetro e baixou a cabeça. Procurava não tocar em nada mais das alavancas. Encarregou-se apenas de ficar por conta do sistema de vigilância. No seguimento, com muito pesar, passaram a ouvir os motores e a refrega nos trilhos… É que o zoado do freio dinâmico esvaía-se progressivamente. Já estavam, por sinal, além do limite da velocidade de pico consentida – os 55 quilômetros por hora.

 

Estavam “disparados”; estavam com um trem desgovernado.

 

E, pois bem, o “recurso” que tinham estava empregado. A “alavanca graduada” dos freios dos vagões em “aplicação total” e a alavanca de freio dinâmico em seu campo máximo. Num ato apenas de apavoramento, “nariz de pimentão” passou a dar no areeiro… Pisava ruidosamente no pedal de acionamento do sistema, parece que de modo a “bombeá-lo”. Já acreditava em perda de aderência com “patinação de rodas” e procurava fazer com que o freio dinâmico voltasse.

 

Mas era mesmo velocidade alta o motivo do sumiço do freio dinâmico. Olhavam as paredes do túnel como nunca antes viram e já tinham medo de as locomotivas pegarem alguma “ponta de pedra” (havia seções rochosas nele).

 

Em condições normais (em “campo aberto”) talvez pulassem do trem. Todos sabiam que o auxiliar de maquinista que pulara do “trem do Nick Lauda”, pulara bem antes, pulara já à saída do “túnel da virada”… mas sabiam, também, que se dera melhor o que ficara na locomotiva (que, afinal, não tombou).

 

E dava-se com eles o que nenhum maquinista queria; Era o terrível acontecendo. Quando a “alavanca graduada” foi colocada em posição de “aplicação total”, o “pulmão do trem” obedeceu com o que tinha a oferecer… e, não estava sendo suficiente para atender às expectativas.

 

E era o caso. Se o sistema de freio do trem fosse “inteligente”, uma voz metálica feminina teria advertido, após o manuseio da “alavanca graduada”: “o sistema de freio dos vagões ainda não se encontra equalizado para uso”… E, em seguida, perguntaria: “tem certeza de que deseja mesmo concluir a operação? Selecione ‘Ok’ caso queira ou ‘cancelar’ caso mude de ideia –  ou algo assim.

 

Mas, claro, teriam, também, dado ‘ok’. Aplicaram os freios em totalidade logo porque  sabiam que já não tinham um trem convencional nas mãos… Ao contrário até. Sabiam que já não tinham nada do trem nas mãos.

 

As paredes do túnel já “assoviavam” e “nariz de pimentão” voltou a olhar o velocímetro. Viu o ponteiro passar pela marca dos 85 quilômetros por hora. Nesse ponto, deixou de sapatear em cima do pedal de acionamento do areeiro. Até porque poderia precisar de areia, mais à frente…

 

Sim, e esse “mais à frente” que fez com que deixassem de desperdiçar areia era a única “chave” que tinham – um único motivo, o qual não os levava ao desespero total. O “mais à frente” trazia uma possível solução; uma única “chancezinha”.

 

Já contavam com essa única “chancezinha”. De imediato apenas gostariam de permanecer mais tempo percorrendo o túnel… Em breve ele cuspiria um trem desgovernado e estavam a bordo dele.

 

Estavam prestes a sair do túnel e, em instantes, ele deixaria de ser em curva e veriam a luz do fim dele… Nunca, mas nunca mesmo, desejaram com tanta ênfase que o trem demorasse mais um pouco a sair dele. Mas logo ia sair e revelar à luz do dia um pesado trem de minério a bem mais que 100 quilômetros por hora… E foi o que se deu. Quando se viram fora do túnel, tentando não piscar os olhos e se acostumarem logo à claridade, o ponteiro do velocímetro já chegava ao pino delimitador, na marca de cento e vinte quilômetros por hora.

 

Duro em seu banco, “nariz de pimentão” parecia ter se transferido para dentro do velocímetro… Tirou os olhos dele quando viu o ponteiro ficar imóvel, numa posição assustadora, nunca antes vista por ele.

 

Tão logo se acostumaram à nova condição de luz se entreolharam – em clima de “procurando respostas”… Ananias viu que, apesar de parecer ter movimentado a região dos olhos, “cabelo de cortina” não mudara de posição; De “múmia”, havia se transformado numa estátua – era visível o processo. Estava duro, atado ao banco na mesma posição de antes da entrada do túnel. Estava pálido e parecia estar mais magro; Via-se, também, que havia adquirido mais profundidade nas covas do rosto. Os olhos, atrás dos óculos, estavam tão fundos e sombreados que não se podia afirmar se estavam exatamente abertos.

 

Quanto a “nariz de pimentão”, além de ter sossegado um pouco, concluíra-se nele, enfim, o processo de metamorfose pelo qual vinha passando – Estava verde. Iniciara viagem avermelhado, entrara amarelado para o interior do “túnel grande”, e saíra dele… verde. Sim, “nariz de pimentão” estava esverdeado; com o nariz se dava uma tonalidade esmeralda impressionante.

 

A mudança de ares não os ajudava, certamente. Saíram as  paredes do túnel, veio a conhecida paisagem; Mas ela estava, por demais, longe do alcance deles. Estavam impotentes, enquanto o trem se desembestava cada vez mais.

 

Tinham apenas que sonhar com aquela única “chancezinha”, que poderiam ter “mais à frente”.

 

É que, mais à frente havia outro balanço. Estavam longe dele, a ponto de, a princípio, não quererem nem pensar na possibilidade de precisar dele… Antes, claro, tinham esperança que o disparo se desse apenas por um pico de velocidade em médio espaço. Mas dada a situação, já começavam a pensar naquele segundo balanço da extensa serra… e, também, a juntar subsídios teóricos para acreditar que chegariam a ele.

 

E, sim, após ele o declive/abismo continuava, por muitos quilômetros ainda.

 

No mais, tão rápido quanto lembrou-se,  “nariz de pimentão” chamou o CCO pelo rádio: “Atento CCO, atento CCO, ‘minério’ 01-45, seção 8B-L2 com problemas de freio e desenvolvendo velocidade alta; deixe a Linha 2 inteira livre, deixe Linha 2 inteira livre… câmbio!”. Devia haver uma antena bem próxima, pois o contato via rádio foi possível e o CCO respondeu de imediato: “Entendido “minério 01-45”… Linha 2 livre até ‘Entroncamento Subúrbio’… por sorte.  Vou parar todo mundo que está subindo pela Linha 1. Faça contato sempre que puder; boa sor…!”. Um mal a menos, nenhum trem descendo de maneira normal à frente e, nem mesmo, parado na mesma linha que eles… Colisão na serra, ao menos, estava descartada.

 

Tinham, então, que torcer para chegar ao segundo balanço daquela serra… era o que restava; e não era exatamente uma certeza.

 

A serra tinha um segundo balanço. Um balanço considerável. Estava a treze quilômetros a partir da saída do “túnel grande”. Era “muito chão” até ele, mas só tinham a ele como salvação… Não exatamente indicava uma salvação completa da situação, mas, se a velocidade baixasse um pouco sobre ele, poderiam “desembarcar”, ao menos.

 

Estavam disparados. Estavam a bordo de um trem desgovernado. O trem tinha parcialmente freios – sabiam; não estava totalmente sem freios como estivera o “trem do Nick Lauda”… Esses fatos, junto ao fato de terem um “santo” balanço mais à frente, é o que  impedia que fizessem logo alguma besteira.

 

E o “santo” balanço era, sim, “considerável”. Era mais longo que o primeiro o qual percorreram – o balanço “dos túneis”. O “santo” balanço tinha uns quinhentos metros a mais de extensão. Tinha total de quase dois quilômetros completos e era totalmente em nível… Também, era desprovido de retas; continha curvas, apenas. Sua extensão e sinuosidade traziam relativo otimismo. No entanto, para segurar um trem daqueles, dependeria muito da velocidade e condição de freio com que chegassem a ele.

 

E a velocidade estava alta e era progressiva. Os sentidos todos, visão, audição, equilíbrio não deixavam enganar. E as juntas dos trilhos… que  de tão espaçadas eram “esquecidas”, naquela situação pareciam ter dado as mãos.

 

O segundo balanço da serra (momentaneamente “santo” balanço para eles) tinha um nome, claro. Era chamado de balanço “das bananeiras” – por motivos bastante óbvios: seu começo e fim traziam, enfileiradas e à vontade, eternas bananeiras nos dois lados das vias, por uma extensão marcante… de  modo que, ao meio do percurso dele,  dava-se, apenas, algum amontoados de pedra.

 

Pois bem, se antes contavam que passariam pelo balanço “das bananeiras” de maneira rotineira, agora ele era a chance – a única chance – de parar ou, ao menos, diminuir a velocidade do trem desgovernado… Após ele, o declive/abismo se apresentava de maneira severa. Após ele dava-se, ainda, uma dezena de quilômetros de plena serra; de pleno declive.

 

Estavam, enfim, em declive longo e acentuado, desenvolvendo uma velocidade incomum, num trem apenas parcialmente freado…  e essa frenagem não era suficiente nem mesmo para diminuir a velocidade enquanto estivessem percorrendo o declive. Pelo contrário, a velocidade estava subindo. O trem “comia” as curvas cada vez mais assustadoramente.

 

O “condutor” aproveitou uma curva longa e pôs-se a olhar os vagões do trem – não abriu a janela, apenas olhou pelo vidro da porta traseira da cabine. Supunha que veria alguma fumaça se desprendendo do trem… e viu. Ainda  que bastante rala, a fumaça dava sinais de começo de sobreaquecimento de rodas nos vagões que aplicaram freio… Era indicativo de que, no mínimo, o freio de um vagão segurava a si e a outro vagão, “escorado” – que não aplicara freios eficientemente.

 

A velocidade tenderia a subir sempre, até que o trem se visse a percorrer o balanço “das bananeiras”… Se chegassem a ele, claro. Uma vez no balanço, mesmo só com parcela da composição freada, tudo tenderia a fazer a velocidade declinar. O quanto declinaria não era possível saber, mas talvez declinasse ao ponto em que o freio dinâmico voltasse a atuar – e, nesse caso, passariam a ter três forças de reversão. Era com o que contavam.

 

De qualquer forma, tinham relativa convicção de que não tombariam antes do balanço “das bananeiras”. Ora, o “trem do Nick Lauda”, totalmente sem freios, tombara após ele, e não antes – tinham,  de fato, uma espetacular via férrea.

 

No mais, não sabiam a quanto se deslocavam e o quanto alcançariam… Só se teria estimativa, posteriormente, por cálculos no CCO.

 

Os prezados pensavam naqueles estimados trezentos quilômetros por hora do, totalmente sem freios, “trem do Nick Lauda” e aquilo os confortava, afinal sabiam que, por seu trem estar parcialmente freado, não chegariam a tanto… Por outro lado, já se preocupavam com o apelido que poderiam lhes dar, do mundo da ‘Fórmula 1’.

 

E, por falar no CCO, ali juntou-se  ao painel toda a gente e agentes que estavam por perto… Acompanhavam a “tarja” de ocupação das “seções de bloqueio”. Nunca poderiam acreditar que, de fato, havia fato de fazê-la se deslocar tão rapidamente. Estavam todos duros, só de imaginar o que se dava no trem.

 

Quanto ao fantasma “maluco por trem”, já se considerava meio sem sorte em “pegar” aquele trem. Encolhia-se de medo a cada vez que o trem passava sobre as chaves de mudança de via e consecutivos travessões. O trem, veloz, arrancava estalos assustadores deles e imaginava alguma “ponta de agulha” com “má vedação”… Seria algo que faria o trem o saltar dos trilhos e se “enterrar no chão”.

 

Por sua vez, pudessem escolher,  os maquinistas “pagariam pra ver”; Preferiam sentir o trem a se afundar no chão, entre os trilhos, que vê-lo escapar da linha por excesso de velocidade.

 

E Ananias não deixava de mirá-los; preocupava-se com eles. Tranquilizou-se  quando viu “cabelo de cortina” virar a cabeça para os lados de “nariz de pimentão”. Fizera-o sem mover qualquer outra parte do corpo e logo voltou à posição anterior. Estava, “cabelo de cortina”, se certificando do tom esmeralda de pele que o colega (CONTINUA)

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