Na noite da última terça-feira (17), o Anfiteatro do Departamento de Administração Pública da Universidade Federal de Lavras (UFLA) se encheu de axé, emoção e escuta durante a roda de conversa “Acolhimento à População LGBTQIAPN+ entre os Povos de Terreiro”. O evento reuniu lideranças religiosas, representantes da psicologia, membros da comunidade LGBTQIAPN+ e público interessado para discutir temas urgentes como identidade, fé, diversidade e respeito.

Promovido pelo Diálogos – Observatório da Diversidade Religiosa (@dialogosobservatorio), em parceria com casas de Umbanda e Candomblé da cidade, como o Ilê Axé Omim Oyá (@omimoya) e a Tenda de Umbanda Vó Serafina (@tendadevoserafina), o encontro integra os Seminários: Religiões e População LGBTQIAPN+ e celebra o Mês do Orgulho, reconhecendo as múltiplas vivências que coexistem dentro dos terreiros.
A roda foi mediada pela psicóloga Cláudia Esposito (@claudiaespositopsi), do CRP-MG – Subsede Sul e Dofona de Oyá, e contou com participações potentes: Hellem Machado (@hellem_machado29), Egbome de Logun Edé no Ilê Axé Omim Oyá; Pai João Luiz de Oxóssi (@joaolrezendee), zelador da Tenda de Umbanda Vó Serafina e vereador em Lavras; Mãe Ângela de Ogum (@angelamariana958), zeladora do Inzó N’ungunsu Roximocumbe; e o Bàbálorìṣà Leandro de Òsanyìn, zelador do Ilé Àsé Igbó Oniṣegun.
O ponto alto da noite foi o momento de partilha. Os presentes contaram suas histórias dentro do axé, revelando como foi o processo de descoberta da sexualidade, o acolhimento que encontraram em suas casas de santo e os desafios enfrentados, inclusive com o preconceito e a dor de boatos e exclusões.
A egbome Hellen, representante da comunidade trans na mesa, emocionou a todos ao compartilhar sua trajetória como mulher trans e filha de santo. Com coragem, relatou a importância da acolhida recebida pela família de axé e ressaltou a urgência do respeito às pessoas trans dentro e fora dos terreiros. Hellem é a primeira mulher trans a usar saia dentro de sua própria casa de Candomblé, na cidade de Lavras, o que representa um marco simbólico de liberdade, identidade e fé.
As vivências compartilhadas durante o encontro trouxeram à tona histórias marcadas por descobertas, silenciamentos e, sobretudo, resistência. O Bàbálorìṣà Leandro de Òsanyìn relembrou como foi crescer como uma criança gay em uma época em que quase não se falava sobre sexualidade. Falou sobre o processo de se enxergar e se construir enquanto homem gay e sacerdote dentro de um contexto social que pouco acolhia essas identidades.
Mãe Ângela de Ogum emocionou ao relatar os muitos anos em que precisou esconder quem realmente era. Dobrando-se perante os valores familiares, ela casou-se com um homem e viveu anos de silêncio sobre sua sexualidade, até encontrar, mais tarde, a liberdade de viver o amor verdadeiro ao lado de uma mulher.
Já Pai João Luiz de Oxóssi falou sobre sua descoberta enquanto homem gay ainda muito novo e contou que, embora sempre tenha sido bem acolhido, enfrentou desafios. Um dos momentos mais marcantes de sua fala foi quando compartilhou que, em determinado ponto da vida, sentiu-se pressionado a abandonar as montagens como drag queen para ser respeitado como pai de santo — uma escolha difícil, fruto do preconceito ainda presente mesmo nos espaços religiosos. Seu relato reforçou a importância de abrir caminhos para que todas as expressões de identidade possam coexistir com respeito e dignidade dentro do axé.
A atividade reafirmou os terreiros como espaços de resistência, cuidado coletivo e espiritualidade inclusiva. Cada depoimento trouxe à tona a força individual de cada trajetória e a importância de construir, juntos, uma rede de apoio, escuta e acolhimento.
Aberto ao público, o evento reforçou o compromisso da comunidade religiosa de matriz africana com a diversidade e o respeito à dignidade de todas as existências.