Por Paulo Curió: Por onde andas,Capitu?

Logo que nos conhecemos ela me perguntou – Eu te faço lembrar alguma personagem literária? – recordo-me, muito bem, da estranheza que senti ao ouvir aquela pergunta. Sua beleza, até então, insinuante, tornou-se enigmática. Os olhos pretos e graúdos exerciam uma força gravitacional inexplicável. Sim, eram olhos de ressaca.

Assim como Capitu, em um primeiro instante, nada havia de extraordinário, era apenas um belo rosto, como dezenas de outros presentes naquele ambiente. Até que repentinamente laçam-me o desafio – Recita aquela poesia pra ela – ali fui tragado por suas pupilas, pela “onda que saia delas e vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me”.

Em nosso primeiro encontro, postava-se como Heloísa, descrita por Rubem Alves em “Meditação de um poeta” – “Ela estava assentada ligeiramente inclinada pra frente, as mãos apoiadas sobre as coxas. Olhou-me com olhos tranquilos e com a voz baixa me disse seu nome” – Naquele instante uma dúvida sombria habitou meu peito, perguntava-me, intermitentemente, qual o real efeito de sua beleza em mim?

As palavras de Rubem Alves ecoavam em minha cabeça, ora aleatórias, ora em uníssono – Eu já havia visto muitas mulheres. Muitas delas mais bonitas. Mas a sua beleza nada fez com o meu corpo. Eu não a amei por ser mais bonita que as outras. Não é a beleza que produz o fascínio. Se o amor fosse produzido pela beleza eu teria me apaixonado por muitas mulheres. Então, o que foi que me enfeitiçou? Não sei. Amei sem saber por quê. Faço a mesma pergunta que santo Agostinho fez: “O que é que amo quando te amo?“ O que foi que amei quando a vi? – fui arrebatado pelo amor!

Vivi naquele momento toda a angústia de Bentinho, procurando desesperadamente “outras partes vizinhas” para agarrar-me, mas as orelhas, os braços, os cabelos espalhados pelos ombros, nada atraia-me como aqueles olhos de cigana oblíqua e dissimulada.

Quando meditava, espichava seu olhar na vastidão do horizonte, mordia delicadamente os lábios, deixando sua consciência divagar. Nunca soube, ou ousei perguntar, para onde estava indo naquele momento. Maria Bethânia fazia-se presente nestes instantes:

“Quando o mar tem mais segredo
Não é quando ele se agita
Nem é quando é tempestade
Nem é quando é ventania
Quando o mar tem mais segredo
É quando é calmaria…”

Por onde andas, Capitu?

Paulo Curió

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