Por Paulo Curió: 1 kg de Carne

 

 

Me perdoem os vegetarianos e os veganos, mas no Brasil, um país subdesenvolvido, de terceiro mundo (e se for – Renato Russo), nossa qualidade de vida é medida pela quantidade de carne que conseguimos pôr à mesa. Infelizmente estamos longe de uma alimentação orgânica e saudável, até mesmo digna.

Há alguns dias vi um meme sobre os traumas de uma infância pobre e como eles nos afetam pelo resto da vida. Isso é muito real! Mesmo hoje, com ótimas condições de vida, ainda tenho estranhas sensações quando vou ao mercado, alguns produtos sempre me parecem pesar a consciência quando compro. Nada demais, não falo de vinhos do Porto ou queijos finos, é muito mais simplório, é azeitona, bacon. Durante minha infância, raramente os vi no prato, por isso ainda são ‘coisas de rico’.

Tenho uma recordação muito forte de uma das poucas vezes que saímos para comer. Meus pais resolveram nos levar para comer um “Xis” na avenida próxima a nossa casa. Não lembro quantos anos tinha, mas essa é a lembrança mais marcante, tátil. Todos de banho tomado, arrumadinhos, pra comer “fora”. Foi quando o garçom trouxe o refrigerante e segurei o copo pra ele servir, então olhou-me e comentou rindo – Não preocupa que ele não vai fugir – não sabia onde enfiar minha cara de vergonha. Quando se é pobre, tudo parece julgamento.

Vivi tudo isso na década de 80. O país ainda engatinhava na democracia, juntávamos os cacos após a ditadura militar. Até hoje minha mãe nos conta, a meus irmão e a mim, sobre as dificuldades de sustentar a família. Meus pais venceram, crescemos seguros, amados e saudáveis, mas nada disso é motivo para romantizarmos a pobreza. Eles precisaram abrir mão de sonhos pessoais, dos seus objetivos, para que pudéssemos ter o mínimo de dignidade.

Quase 40 anos depois, voltamos a viver uma grande crise econômica, são tempos de recessão. Os preços estão nas alturas, os supermercados estão limitando a quantidade de produtos básicos por consumidor, o kg da carne está ‘pela hora da morte’. Até o Pé de Galinha é  vendido a valor de carne de primeira. Nosso dinheiro não tem mais poder de compra, nossa moeda é uma das que mais desvalorizou no mundo em 2020.

Quando vou ao mercado lembro dos meus pais. Imagino quantas noites passaram sem dormir, pensando se teriam como nos alimentar no dia seguinte. Insegurança. Incerteza. Quantas noites devem ter chorado em silêncio? Quantas vezes pensaram em desistir? Olho para seus semblantes, já marcados pelo tempo, e os admiro, os amo. Olho para meus filhos e temo que passem pelas mesmas dificuldades. Passado e futuro ligados por uma mesma problemática, políticas públicas que blindam as grandes fortunas e pouco (ou nada) fazem pelos pobres.

Que a fome seja erradicada, as mesas sejam fartas e a vida nos seja leve.

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