Conheça um pouco da história de uma das figuras mais conhecidas de Lavras: Tonho da Funerária

Era tarde de um sábado de sol, quando desço um pequeno beco a procura do número 71. Uma casa clara com duas janelas na frente é o local de destino. Quem me atende já me aguardava. A figura que conheço desde criança estava lá; sempre sorridente, barba por fazer, igual sempre foi. “Acho que os anos não passam para ele”, logo penso.

Se você mora em Lavras ou na região já deve ter ouvido falar dele que se tornou uma figura muito conhecida, tanto pelo seu carisma e jeitinho mineiro, quanto pelo seu tipo de  trabalho: Antônio Raimundo Vênancio, o Tonho da Funerária.

O adolescente que tinha medo de sair à noite pelas ruas, aos 14 anos começou a trabalhar na Funerária Carvalho, a mais antiga e tradicional de Lavras. No começo ele auxiliava a fabricar os caixões.  O contato com os cadáveres demorou um pouco, mas ele garante que não ficou impressionado. Aos 17 anos, ele começou a ajudar a preparar os corpos. O sonho de um dia ser médico e freqüentar medicina em Juiz de fora  ficou para trás quando Antonio Raimundo Sobrinho, o pai de Tonho  faleceu.

Hoje, o garoto que começou a trabalhar cedo é o mais conhecido agente funerário de Lavras, até quando morrem parentes ou amigos é ele mesmo quem ajuda na necropsia se precisar. Ofício delicado que aprendeu observando os médicos, e em 1998 após um concurso, se efetivou no exercício do cargo. A rotina, bom, a rotina não existe!Tonho não tem hora para sair ou para almoçar, já chegou a ficar dias sem ir  em casa, só trabalhando. A esposa Rosa, conta que até durante um casamento já teve que o acompanhá-lo ao Instituto Médico Legal (IML) onde ele trabalha. “ Eu fiquei do lado de fora esperando, não gosto de ver”, diz ela.

Tonho já recebeu várias homenagens em Lavras
Tonho já recebeu várias homenagens em Lavras

Sobre os casos marcantes na sua profissão, Tonho destaca a morte precoce de crianças “Quando morre criança abala a gente um cadinho, geralmente choca”. As histórias são muitas para contar: “Teve uma senhora que veio e reconheceu um cadáver que estava como desconhecido, ele até seria repassado para a faculdade para estudos. A mulher disse que era o marido dela e depois viu que não era”, segundo Tonho depois o marido apareceu e o corpo acabou sendo enterrado como indigente.

Tonho tem 52 anos, 26 deles vividos ao lado de Rosa  Eneida da Silva Venancio com quem teve seis filhos: Thadeu, Márcia, Marcos, Thaís, Thales e Maria Gabriela. O mais novo já com 16 anos e o mais velho com 27. O sustento do casal e dos filhos provém da profissão de agente funerário e auxiliar de necropsia.

O filho Thadeu conta como é o lado família de Tonho: “Não é porque ele é meu pai, mas ele é uma pessoa ímpar, quem conhece sabe, ele não é muito de xingar, conseguiu nos educar somente com exemplos, a gente tinha por obrigação puxar um pouco do jeito dele.”

Rosa a esposa, disse ter se acostumado com a profissão do marido, mas no começo segundo ela não foi fácil  “ no começo era difícil  criar os filhos porque a diferença de idade das crianças era pequena um ano praticamente.”  “Nessa época,  o pai ficava praticamente dois dias na funerária e um dia em casa , só vinha para comer algo e tomar um banho, mas  nunca deixou faltar nada para nós, depois de um certo tempo as coisas ficaram mais tranqüilas”, completa Thadeu.

Quem convive com a morte tem uma visão peculiar da vida,  “a morte é o relativo da vida, quem vive um dia tem que morrer, parar as funções e falecer.  Como católico pra mim a morte é a passagem para a vida eterna.” Tonho conta que sempre reza antes de começar seus trabalhos, como forma de respeito aos mortos .

O ritual de preparo de corpos é conhecido há milhares de anos, muitas maneira para tal feito foram sendo inventadas e utilizadas. A tanatopraxia são técnicas de conservação de corpos que  permitem parar qualquer risco de infecção. O trabalho de um agente funerário  permite dar um aspecto mais natural a um corpo que muitas vezes sofreu traumas. Dar uma aparência serena ao cadáver ajuda psicologicamente as famílias a superarem a dor de perder um ente querido.

Tonho durante homenagem do Rotary em 2014
Tonho durante homenagem do Rotary em 2014

 Nas horas vagas o agente funerário gosta de tomar uma cervejinha e comer frango feito no fogão  a lenha.  Reservado, nem com a família ele nem comenta sobre as mortes e sobre o trabalho. Amigos são muitos! Alguns de longa data  que ele faz questão de encontrar quando sobra tempo.

Após duas horas de muita conversa, emoções e risadas me despeço dessa figura ímpar que tem muito mais a nos ensinar do que ele imagina. A forma natural como encara um trabalho tão peculiar,  como ele lida com o pior temor humano que é a morte  o faz sem dúvida ser alguém  surpreendente.Obrigada Tonho!

*Karina Mascarenhas

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