Ser Pai/Mãe: Uma Guerra Infinita por Paulo Curió

Não recordo mais quais eram meus sonhos de adolescente, lembro apenas que eram muitos. Quando se é pai muito jovem faz-se necessário adaptar-se. Não acho que abrimos mão daquilo que almejamos, principalmente no meu caso que tive o apoio familiar, mas adiamos por tempo indeterminado. A vida torna-se amarga quando os sonhos acabam. Muitos dos meus amigos entraram no piloto automático, trabalham, sustentam suas casas, consomem programas de entretenimento e pagam boletos. Que vida bosta!

O mais dolorido é acompanhar o processo, a morte lenta. A vida adulta chega, não temos escolha, abraçamos as responsabilidades. Estamos inclusos em um sistema capitalista selvagem, sacrificamos tudo em nome do sucesso financeiro e profissional. Doamos aquilo que não poderíamos. Djavan utiliza uma frase muito bonita na música “Esquinas” – Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar – tiramos forças pra vencer e não sabemos de onde. Sobre tudo quando se têm filhos.

Tenho, cada dia mais, refletido sobre a situação das pessoas que criam seus filhos sozinhas. É uma responsabilidade muito grande. Não somente com o filho, mas consigo mesmo. Minha mãe sempre disse que o significado de pai/mãe é doação, mas não pode ser apenas. Quando nos anulamos completamente, acabamos não tendo muito a oferecer, somos apenas provedores de subsídios. Crianças precisam de exemplos, se matamos nossos sonhos, com quem elas aprenderão a sonhar? Preservar nossa saúde física e mental é essencial.

Posso dizer com segurança que cumpro bem meu papel de pai. A paternidade é a coisa mais fantástica que poderia ter me acontecido, mas quando me perguntam se quero ter mais filhos, minha resposta é direta – Não! – simples. Um homem precisa experimentar muita coisa na vida, é minha hora de fazer isso. Resgatar os sonhos adiados. Filhos não são propriedades dos pais, a responsabilidade é nossa sim, mas eles precisam dos avós, dos tios, primos, amigos, vivemos em sociedade e a pluralidade ajuda a formar o caráter. Não há nada de errado em dividir o peso, em achar um tempinho pra si.

Há alguns dias ouvi a seguinte frase – Eu amo demais minha filha, mas tem hora que me sinto cansada, e principalmente culpada por pensar assim – isso não saiu da minha cabeça. A frase foi dita por uma pessoa exemplar. A relação com sua filha é linda. Amor incondicional. E o sentimento de cansaço? Normal! Ninguém nasceu para ser pai/mãe, nossas necessidades vão além. Precisamos do nosso tempo, do nosso espaço, da solidão, da falta de compromisso. Temos sede de viver.

Quem cuida de filhos , de uma casa e trabalha/estuda, sabe bem. Não existe trégua! Você desperta pensando nas responsabilidades e à noite você não coloca a cabeça tranquila no travesseiro, já está projetando o dia seguinte. Não assusto quando as pessoas piram, me surpreende que todas não estejam piradas. Encontrar equilíbrio entre ser bom pai/mãe, ter sucesso profissional, vida social, realizar sonhos, além dos relacionamentos afetivos, não é fácil. Não é coisa pra um ser humano, é um Avenger travando uma “Guerra Infinita”.

Por sorte tenho uma grande parceira na criação do meu filho caçula, tive também do mais velho, mas falarei do que vivo atualmente. Seguido desabafamos – Hoje não estou bem, preciso ficar sozinho, pensar na vida, me organizar, você segura às pontas? – fechado! Não só nessas situações, mas quando o outro quer apenas sair, se divertir, todos têm esse direito. A vontade de se aventurar, de viver, de experimentar, a libido, nada disso morre porque se teve filhos. A vida adulta precisa seguir.

Essa situação, de falta de companheirismo na criação dos filhos, também ocorre com pais que são casados. Quantos homens sustentam a casa, mas não dão suporte algum à esposa? Acham que fazem muito “colocando dinheiro dentro de casa”, se “matando” de trabalhar fora”. Queria vê-los invertendo a rotina, ficando em casa e cuidando dos filhos. Perderiam a sanidade em uma semana.

Precisamos aprender a lidar de forma mais leve com as batalhas diárias, como diria Drummond – Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

Paulo Curió*

 Sobre o Autor

Nascido em Porto Alegre, Paulo Curió, mudou-se para Lavras no início de sua adolescência, em 96. Amante da cultura popular, capoeirista desde os 5 anos de idade, desenvolveu projetos de capoeira por mais de uma década. Foi em Lavras, ainda nos anos 90, que seu trabalho como professor de dança ganhou notoriedade, sendo convidado a ministrar aulas em diversos locais. No início dos anos 2000, resolveu estudar as artes cênicas, indo para as cidades do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Desenvolveu projetos de destaque no âmbito cultural na cidade como Coordenador do Núcleo Cultural Unilavras. Metalúrgico desde 2005, graduou-se como engenheiro mecânico, tornando-se professor dos cursos de engenharia civil e produção. Atualmente, leciona em cursos de pós-graduação pelo Grupo UNIS, sendo engenheiro e responsável técnico da Mercomolas Indùstria de Molas,  consultor na Onixx Consultoria Organizacional. Curió, também, é músico na banda Circo da Lua e professor de forró. Como escritor, lançou em 2017 sua primeira obra, intitulada “Hemisférios – dos amores racionais às razões do amor”, um livro de contos, crônicas e poesias.

 

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