Paulo Curió apresenta a crônica ” A Lição de um Órfão ” – Confira!

Existem lições que a gente jamais esquece, essa carregarei para o resto da vida. No ano de 98 tive a honra de ter como aluno de capoeira uma pessoa incrível, com uma história de vida sofrida e exemplar.

Meu amigo, perdeu os pais quando tinha 13 anos, ficou responsável pela criação dos irmãos. Trabalhou na roça, na “panha” de café, de servente de pedreiro, no que dava. Não teve a oportunidade de estudar, isso o incomodava bastante. Mesmo com todas as adversidades sempre manteve um exímio caráter e um vício pela capoeira. E, foi por isso que nos tornamos amigos.

Alguns anos depois, em 2003, recebo uma ligação sua, pedindo para ir na minha casa, queria me pedir uma ajuda. Não precisava nem ter ligado – pensei.

Com seu jeito tímido, um tom de voz extremamente baixo – como quem pede desculpas ao falar – me contou a novidade.

– Curió, então, cara, voltei a estudar.

Vocês não tem ideia como aquilo me alegrou. Fiquei empolgado demais. Contou-me como era o processo do supletivo, como ele passaria de ano e como estava focado em acabar o primeiro grau. Em suas mãos um estojo, um caderno e uma folha de tarefas.

– Vim aqui porque nos pediram para fazer uma tarefa e estou com dificuldades. Aí pensei que você poderia me ajudar.

Ele estava vermelho de vergonha, eu por explodir de empolgação.

– Claro! Senta aí, vamos ver o que é – Eu estava muito empolgado.

Na sua tarefa pedia para descrever onde morava, com quem, seu nome completo, idade – Foi aí que a ponteira e o martelo (golpes de capoeira) me nocautearam.

– Aqui tá pedindo pra você citar cinco coisas boas em sua vida.

De bate e pronto, sem pestanejar, respondeu.

– Ter conhecido vocês – meu irmão e eu – e poder treinar capoeira.

Sorri com os olhos marejados, lhe dei um tapinha no ombro de agradecimento, enquanto ditava as sílabas para ajudá-lo a escrever.

– Agora, cite cinco coisas ruins. – Li com uma pontada no coração.

Um sorriso meia boca surgiu. Franziu a testa, como costumeiramente fazia quando estava com vergonha. Vocalizou um – hummm – quase inaudível, tentando buscar algo em sua memória.

– Poxa, você perdeu seus pais, não pode estudar. Desde muito novo teve a responsabilidade de cuidar dos seus irmãos. Tudo isso deve ter sido muito difícil.

Seu olhar se perdeu no horizonte por uma fração de segundos, me olhou com certa surpresa. Coçou a cabeça, desviou seu olhar para o chão.

– Cara, eu nunca tinha pensado nisso como uma coisa ruim.

Não pude conter as lágrimas. Me tranquei no banheiro e revi minha vida. Sempre reclamei demais, me vitimizei demais. Uma dor no peito, um vazio existencial enorme.

Fechei os olhos, pensei no meu filho – só tinha o Eduardo na época – e agradeci ao cosmos pela oportunidade de ter cruzado o caminho deste ser de luz.

Paulo Curió*

 Sobre o Autor

Nascido em Porto Alegre, Paulo Curió, mudou-se para Lavras no início de sua adolescência, em 96. Amante da cultura popular, capoeirista desde os 5 anos de idade, desenvolveu projetos de capoeira por mais de uma década. Foi em Lavras, ainda nos anos 90, que seu trabalho como professor de dança ganhou notoriedade, sendo convidado a ministrar aulas em diversos locais. No início dos anos 2000, resolveu estudar as artes cênicas, indo para as cidades do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Desenvolveu projetos de destaque no âmbito cultural na cidade como Coordenador do Núcleo Cultural Unilavras. Metalúrgico desde 2005, graduou-se como engenheiro mecânico, tornando-se professor dos cursos de engenharia civil e produção. Atualmente, leciona em cursos de pós-graduação pelo Grupo UNIS, sendo engenheiro e responsável técnico da Mercomolas Indùstria de Molas,  consultor na Onixx Consultoria Organizacional. Curió, também, é músico na banda Circo da Lua e professor de forró. Como escritor, lançou em 2017 sua primeira obra, intitulada “Hemisférios – dos amores racionais às razões do amor”, um livro de contos, crônicas e poesias.

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