Na fila do SUS

Zé Pequeno sempre teve algumas ambições na vida: ser grande, rico, ter saúde, e muitos filhos.
Ser grande ele não conseguiu. Rico, muito menos. Mas uma penca de filhos, duas dúzias deles, faz parte do seu currículo imenso.
A duras penas lá se foi ele vida afora.
Como não tinha profissão definida só lhe restava fazer biscates, trabalhando aqui e acolá, sem hora de voltar a casa, uma casinha modesta na periferia da cidade grande, graça conseguida por um desses programas do governo, de nome Minha Casa Minha Vida.
Os filhos não deram grande coisa. A maioria enveredou-se pelo caminho das drogas, presas fáceis da polícia, que sempre rondava a casa do Zé Pequeno, à espera de botar a mão em um deles, figurinhas manjadas no cenário do crime.
Aos quase quarenta anos, completos naquele dia, depois de muitos percalços, Zé Pequeno teve uma ideia.
Por que não fazer a ligadura daqueles canaizinhos por onde caminham os espermatozóides, interrompendo assim a sua profícua fertilidade?
Depois de doze filhos maiores, de ter contraído a terceira núpcia, só lhe restava outra opção senão fazer vasectomia.
A terceira esposa de Zé Pequeno era uma rapariga famosa na vizinhança. Dizia a boca pequena que a danada não esquentava cama.
Mariazinha trouxe com ela dois filhos menores. Todos de pais desconhecidos, pelo menos dizia ela.
Mas, por um capricho do destino, quando os dois se encontraram não houve como fugir da união. Foi paixão à primeira vista.
No primeiro ano da relação nasceram mais duas boquinhas famintas. Pela conta que passo agora, dos doze da primeira fornada, mais os dois filhotes da Mariazinha, com os dois recém-natos, perfazem dezesseis pessoinhas a serem cuidadas, sem a menor condição de sustento.
Zé Pequeno suspirava de infelicidade. Como fazer agora, com dezesseis filhos, sem trabalho, sem carteira assinada, na iminência de a família crescer, enchendo o mundo de filhos, sem eira nem beirada?
Foi quando Zé, à beira de um ataque de nervos, ao ver a barriga da mulher estufada, teve uma ideia malograda.
Tinha de fazer a tal vasectomia, nem que fosse a última coisa da vida.
Foi a não sei quantos postos de saúde. Recebeu não se sabe quantos encaminhamentos. Todos deram em nada. A tal operaçãozinha patrocinada pela saúde pública estava cada vez mais difícil, sem dia ou hora marcada.
Assim passaram os anos. A família de Zé Pequeno prometia aumentar. Como se fosse possível e razoável, ainda mais.
Dezembro chegou, de repente. Foi quando Zé, animado, depois de tantos encaminhamentos ao urologista, entrou na fila do SUS.
Desta vez a tão sonhada operação prometia ser realizada. Logo no começo do novo ano.
Mas, como tudo neste país só começa depois do carnaval, nada de a vasectomia do pobre Zé se concretizar.
Entrou março, despontou abril, nasceu maio, passou junho, e Zé continuava a mofar na fila do SUS.
Nessa altura do campeonato Zé já tinha vinte e cinco rebentos. Fora os que não contabilizava.
Um belo dia, ao fim do ano, Zé, afinal, recebeu a boa notícia.
A data da vasectomia foi marcada. Para dali a trezentos e sessenta dias.
Assim que chegou a vez do Zé, numa sexta-feira treze, faltou luz no hospital. Todos os pacientes foram dispensados. Até quando, Deus não quiser.
Hoje Zé, com quase cinquenta anos, não sei quantos filhos registrados ou não, ele ainda continua na fila do SUS.
Não para fazer vasectomia. E sim para o exame de próstata.
A esperança do Zé Pequeno morreu com ele, na longa fila do SUS.

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