Liberdade de expressão x Dignidade da pessoa humana: a influência da mídia no direito penal  

 

 

 

 

Conforme consta no artigo 220, caput, da Constituição Federal, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Assim, percebe-se claramente que a liberdade de expressão possui arrimo em um dispositivo constitucional, o que indubitavelmente protege a mídia das influências e das censuras estatais.

Entretanto, entendo que nos dias de hoje a mídia ganhou uma relevância preocupante, ao passo que diversos autores, como Gabriel Tarde (criminalista francês) e Leonardo Isaac Yarochewshy, a consideram como o “poder soberano dos novos tempos”.

Vale ressaltar que não se pretende no presente texto criticar essa ampla liberdade conferida à imprensa, muito pelo contrário, é inquestionável a relevância que ela possui em um Estado Democrático de Direito como o que vivemos (ou que pelo menos deveríamos viver).

Contudo, diante desse ultra poder que a mídia possui, vivemos tempos tenebrosos principalmente para o Direito Penal. Digo isso porque os princípios da liberdade de expressão e de imprensa são tratados como soberanos, isto é, superiores a todos os outros, como os princípios da dignidade da pessoa humana e da garantia do devido processo legal, além da privacidade do cidadão.

Esse cenário fica nítido quando percebemos que a mídia constrói grande parte de suas matérias com base em notícias criminais que, na maioria das vezes, ainda não foram examinadas da maneira devida, o que a prudência e o bom senso o requerem. Dessa forma, a imprensa desenvolve um discurso de medo e de insegurança na população, que, por sua vez, clama (infelizmente) pela maior criminalização de condutas, o que a história mostra ineficiente para o combate à criminalidade e, principalmente, pela restrição dos direitos e garantias fundamentais.

A publicidade dos julgamentos, auxiliada sobremaneira pela mídia, o que chamamos de especularização Direito Penal, onde só a acusação tem vez e voz deveria representar uma garantia para o acusado no processo penal, com o objetivo de proteger o devido processo legal e de impossibilitar acusações secretas e julgamentos parciais. Porém, não é isso que ocorre (muito pelo contrário). A propósito, o professor Leonardo Isaac Yarochewshy já dizia que:

Certo é que no campo penal em nome de uma fúria punitiva e de um fantasmagórico combate à impunidade o poder midiático tem afrontado os valores e princípios mais caros ao Estado democrático de direito. Sob o manto de uma ilimitada liberdade de informação e de expressão a mídia ultrapassa todos os limites da ética e do respeito à dignidade da pessoa humana. Investigado, indiciado ou acusado é tratado como se condenado fosse, sem direito ao contraditório e a ampla defesa (O Direito em Tempos Sombrios, 2016, fl. 71).

Dessa maneira, tenho plena convicção que os princípios da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa estão sendo deturpados por parcialidade mídia sensacionalista que somente busca o lucro decorrente dos seus contos criminais, sem qualquer preocupação com o impacto daquelas matérias na vida da vítima e, principalmente, na vida do investigado/indiciado/acusado (já taxado como condenado). Essa situação precisa e deve ser revista.

Vale aqui ressaltar o perigo do moralismo e da moral, pois a moral é “conjunto de valores e princípios que deve reger a conduta humana, variando no espaço e no tempo” (LEWANDOWSKI, 2017 pág. 3). Já o moralismo é preocupante e perigoso pois como argumenta Lewandowski, 2017:

 Representa uma patologia da moral. No moralismo alguns poucos buscam impor aos outros seus padrões morais singulares, circunscritos a certa época, religião, seita ou ideologia”. Os que discordam são atacados por meio de injurias, calúnias, ou difamações e até agressões corporais. (LEWANDOWSKI, 2017 pág. 3).

Para finalizar, parafraseio uma reflexão do nobre Noam Chomsky: considerando o papel que a mídia ocupa no campo criminológico, somos obrigados a perguntar em que tipo de mundo e de sociedade queremos viver e, sobretudo, em que espécie de democracia estamos pensando quando desejamos que essa sociedade seja democrática?

Referencias:

LEWANDOWSKI, R. Moral, moralismo e direito. Folha de São Paulo. São Paulo, pág. 3 Out. 2017.

Négis Rodarte – Advogado Criminalista, pós graduado em direito penal e processo penal, Conselheiro Estadual da OAB/MG e professor da Escola Superior de Advocacia OAB/MG.

Bruno Andrade Rodarte – Estudante de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais

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