A quem possa interessar

2014 definitivamente não foi um ano fácil.
Com a falta de chuva fazendo-nos sofrer a falta de água, o calor em demasia, dezembro fechou o ano com cara de sofrimento. Nem as festas natalinas deram conta de amenizar a tristeza, embora muitas famílias tentassem fazer ressurgir a alegria, enfeitando as árvores de bolas coloridas.
O país onde vivemos passou por momentos difíceis. Corrupção desmedida, políticos safados locupletando-se da boa fé dos brasileiros.
Não bastante tudo isso, agora, ano novo de camisa nova, volto ao trabalho com a esperança renovada. Tomara que as boas novas tomem lugar das más que passaram ao largo, enchendo o coração de todos com novas alegrias, sentimento alvissareiro, que deve fazer parte de cada um, mesmo frente às adversidades.
Antes que o ano fechasse os olhos de sono fiz uma viagem ao exterior.
Precisava mudar de ares, de temperatura, ver gente nova, buscar a paz que me faltava por aqui, na correria desenfreada do trabalho, na luta pelo ganha pão, no cotidiano cruel que nos assola a cada dia, enfrentando toda a sorte de atropelos, tentando superar a falta de tudo, a ausência de nada.
Talvez o melhor seja tirar férias de mim mesmo. Mas, como isso é impossível, pois a roupa que visto não pode ser trocada, uma viagem pode ser a solução, para tentar começar o ano com alma nova, espírito renovado.
Fomos, em família, buscar o local onde as árvores dormem, o frio acorda, a neve cai, o vento assopra em saraivadas frias, em outra latitude, mais ao norte.
A Europa foi o lugar escolhido. Precisamente a Alemanha, passando alguns dias na capital, a linda Berlim, metrópole agora unida por um povo que saiu da guerra destruído, para ressuscitar mais forte ainda, dando exemplos de trabalho, honestidade, que fazem da Alemanha um dos pólos mais pujantes de um continente exemplar, agora refém de uma moeda única, forte, que deve ser seguido por todos nós.
Berlim impressiona pela retidão do seu povo. Pela seriedade com que nos recebe, mesmo sem aquela hospitalidade interesseira dos trópicos, pelo calor que emana de nós.
Passamos alguns dias ali. Observamos a passagem de ano em meio aos fogos que iluminavam o céu escuro, ao frio que nos fazia agasalhar.
Visitamos alguns museus, o que restou do Muro da Vergonha, agora felizmente tombado como um marco que ainda resiste ao tempo, como um capítulo que foi esquecido, mas ainda está lá.
Depois de Berlim fomos conhecer a capital da República Checa.
Praga é linda, com suas ruelas estreitas, com suas igrejas antigas, com suas praças onde se vende de tudo, inclusive beleza.
O Rio Moldava é outra atração de Praga. Assim como a ponte de São Carlos, atravessada por nós até o castelo de onde se avista a cidade com olhos de incredulidade.
Depois de alguns dias voltamos de trem a Berlim. Praga estava branquinha de neve.
Mais uma noite em Berlim, enfim a viagem de volta.
Até Paris foram cerca de hora e meia de voo.
Embarcamos no aeroporto Charles de Gaule à espera de uma longa jornada. Estava frio, céu escuro, as árvores dormiam, o cansaço tomava conta de todos, já com saudades do Brasil.
Uma vez no ar, a mais de dez mil metros de altura, voando a uma velocidade de mais de mil quilômetros por horas, imaginando mil coisas, inclusive com a possibilidade da morte, de uma queda da aeronave, talvez tenha sonhado, ou não, em deixar o meu legado a quem possa interessar.
Caso não conclua esta viagem, cansativa, mas enriquecedora, pensando na vida até agora vivida, nos anos que deixaram lembranças, algumas ternas, outras amargas, deixo aqui, neste texto que fala em linguagem de despedida, o meu legado pos-mortem.
Àqueles que conviveram comigo os meus sinceros votos de muito obrigado.
Por me aturarem nos momentos de ira, e noutros de tranquilidade.
Deixo a todos, aos que me são caros, aos que não, meus desejos sinceros de paz, amor, amizade.
Deixo meus bens materiais aos que mais necessitarem.
Deixo meu pedaço de chão, aquela rocinha querida, aos animais que ali vivem, aos que ali irão nascer.
Deixo meus instantes felizes aos que carecem de felicidade.
Deixo meus repentes de ira àqueles que experimentaram minha intranquilidade. Que perdoem meu desassossego, pois eles fazem parte da minha incapacidade de ter paz.
Deixo os meus textos a quem deles fizer melhor uso. Talvez se transformem em mais um livro, dos tantos que tenho escrito.
Deixo à minha família, o que de melhor tenho, não o que construí, e sim meus melhores exemplos.
Durante a viagem de volta, das terras de além mar, pensando na chegada que talvez não se concretizasse, continuei a enumerar minha carta testamento.
Deixo a quem gostar do que fui, nestes anos todos de vida, meu sorriso iluminado, não minha carranca amargurada.
Deixo ainda, textualmente, sem firma reconhecida, a saúde que sempre tive, àqueles que dela precisam.
Aos meus amigos, poucos, a ventura de tê-los conhecido. Se por acaso algum deles ofendi, minhas escusas amigas.
Aos meus filhos, aos netos que não tive, minhas saudades antecipadas.
À minha esposa querida, que me perdoe se não me fiz entendido.
Aos pais que me geraram que bom foi tê-los ao meu lado. Quem sabe, em outra vida, nos encontremos de novo, para celebrarmos o quanto foi bom ter sido seu filho amado.
Enfim, antes que a morte chegue, não sei quando, ou como, antes que o avião aterrisse, ao fim da viagem, a quem possa interessar, caso tudo isso não aconteça, que pelo menos alguma coisa de boa fique dessa minha estada na terra, antes que seja chamado a algum lugar melhor, onde vai ser, será…

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