A “Fila Volta” por Paulo Curió na crônica desta semana

A Fila Volta

Tenho uma dificuldade muito grande com o auto-perdão. São anos remoendo, revivendo incansavelmente erros que já deveriam ter sido perdoados. Não compreendo quando dizem “Deixe o passado pra trás.” Einstein deve se revirar no túmulo. Não existe passado, principalmente se dentro de mim ainda não passou. Não é uma linha horizontal e contínua, meu pensamento, meus sentimentos, minhas emoções, são livres da matéria, vagam pelo espaço-tempo.

O mundo anda ansioso demais. Há uma busca incontrolável pela felicidade plena, em tempo integral. Não respeitamos mais o amadurecimento das emoções. O amor, por exemplo, precisa germinar, ser nutrido, só assim, bem lentamente, ele cria raiz. Sem isso, morre no primeiro vendaval. Pode parecer estranho, mas aprendi que o amor precisa muito mais de tempo, do que de presença.

Há poucos dias atrás, conversando com uma amiga casada, ouvi “Não consigo parar de trair meu marido, preciso sentir a sensação da paixão. O flerte, a sedução, a aventura, tudo isso ainda é difícil deixar pra trás. Gosto do amor que recebo, do carinho, da segurança, sei que ninguém me proporcionará isso como ele, mas não consigo.” Não julgo. Respeito muito essa individualidade. Ontem, conversando com outra amiga, observei – Seu rolo virou namoro, já tá saindo com família e tudo, parabéns! Tá feliz? – ela sorriu, agradeceu e confirmou que sim. Então debochei, questionando se ela havia conseguido deixar seus 199 contatinhos de lado, e a resposta foi “Não, isso ainda me persegue!” Raros os que estão dispostos a construir algo somente a dois, os “contatinhos” sempre estão em “stand by”. Não há plenitude nesse tipo de relação.

Neste fim de semana, navegando “despretensiosamente” pelo Tinder, pensei – A gente sempre tem esperança que dará certo com a próxima – não no aplicativo, na vida real. Saímos de um relacionamento, ou até mesmo durante, como no caso da minha amiga casada, na esperança que o próximo irá nos completar. Ninguém pode, a plenitude é uma obrigação individual. Viramos andarilhos do amor, caminhando sem rumo, cruzando com centenas de transeuntes, tão perdidos quanto nós.

Costumeiramente faço o oposto. Sempre que um relacionamento acaba relembro dos amores que vivi, os que desperdicei, erros que cometi, e lamento profundamente não poder voltar no tempo. Voltar amadurecido, conhecendo melhor minhas limitações, sabendo exatamente o que realmente posso oferecer. Ainda com ternura no olhar, mas sem o destempero da paixão. Ter uma oportunidade de reaproximar e não apenas pedir desculpas pelos erros do passado, mas compensá-los com acertos no presente. Pois não importa quando, como ou onde, pra mim, sempre é tempo de tentar mais uma vez.

Paulo Curio

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