A crise segundo Correinha

O mês de julho começou sombrio para o nosso amigo da roça.

A seca assanhava-se toda. As minas d’água secaram. A capineira, antes viçosa, mostrava sinais de cansaço. O canavial recém plantado não dava sinais de alento.

As poucas vacas leiteiras mostravam as costelas magricelas.

A renda do leite minguou. Em contrapartida ao preço pago pelo lacticínio, cujo dono entrou em concordata.

A família do pobre agricultor mal via a hora de um novo dia, já que o anterior era pobre em alegria.

Tudo ao derredor mostrava melancolia. Os vizinhos de Correinha só falavam na crise do leite. As conversas ao fim da tarde, naquele início de julho, todas versavam sobre um assunto apenas: falta de dinheiro, desalento, sofrimento, desemprego, crise, corrupção, desestimulados pela penúria por que passava o país, naquele ano fatídico, pobre, sem perspectivas de dias melhores, macambúzio, sonolento.

Mesmo assim o nosso amigo, herói, como tantos outros, persistia, sorria, mostrando um sorriso amargo.

Acordava junto ao cantar do galo, antes de o sol nascer em meio à neblina escura, que mal permitia ver um palmo adiante do nariz, naquelas madrugadas frias.

Tomava um café requentado. Acompanhado de um pão amanhecido. Mal tinha tempo de lavar o rosto. As tarefas do dia não permitiam tal luxo. Apenas o trabalho o esperava. Mais nada, apenas isso.

Os filhos acordavam cedo. O velho ônibus esperava no alto do morro. Isso quando não o motor não falhava deixando as pobres crianças da roça esperando o caminhão pau-de-arara. Que por vezes não aparecia.

A mulher do valente homem da roça há tempos sumiu na braquiária. Foi levada pelo caminhão leiteiro, esperando vida melhor na cidade. Dizem que ela se prostituiu, tal era a formosura da rapariga.

Num dia cedo, quando as nuvens prometiam chuva, Correinha acordou com uma estranha sensação de desconforto. Sonhou um sonho verde. Misturado à fartura, vacas com úbere cheio, com o preço do leite acima das nuvens.

No entanto, entretanto, ao sair de casa a mesma hora de sempre, desceu do alto uma tempestade tamanha, que inundou tudo no entorno, inclusive a safrinha do milho que prometia boa colheita.

O pobre homem do campo perdeu tudo que tinha. Mas não perdeu a esperança em dias melhores.

No dia seguinte tomou o velho fusca avariado, com o pneu careca, e partiu rumo à cidade.

Esperava conseguir no banco um empréstimo para custear a lavoura malograda. Já que a outra se foi na enxurrada.

Depois de esperar a vez, naquela fila interminável, foi atendido com cara de poucos amigos por um funcionário que mal sabia onde nasce um pé- de- milho.

Não precisa dizer que o dinheiro foi recusado, sob a alegação que a conta não tinha saldo.

Uma vez na roça, desiludido e amargurado, recomeçou tudo de novo.

Replantou a roça de milho. Refez o canavial. Bem sabendo que tudo aquilo poderia ter o mesmo desfecho do ano passado, desde quando escolheu o campo para depositar ali seus sonhos malfadados.

Um mês depois, solitário, já que a família foi ter à cidade, assistiu, com olhos ternos de candura, a mesma roça de milho naufragar na estiagem do inverno.

Mesmo assim não desanimou. Continuou o périplo costumeiro, esperando a crise passar.

Entretanto a crise não passou. As agruras de Correinha continuaram no mesmo caminho obscuro.

Assim acontece a cada um de nós. Entra ano, chega outro.

Acontece que a crise maior não se deve ao tempo. A responsabilidade única e maior se deve às pessoas que não cuidam do tempo. Junto à falta de decoro e seriedade dos indivíduos que nos governam.

 

 

 

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